quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Chefes desconfiados e controladores derrubam produtividade no país


A baixa produtividade nas empresas brasileiras está mais relacionada a fatores culturais do que a falhas na educação formal. A falta de confiança endêmica dentro e fora das organizações cria uma distância muito grande entre quem está no topo planejando tarefas e quem as executa no dia a dia. Essa realidade afeta a nossa produtividade e nos derruba nos rankings globais de inovação, uma vez que a desconfiança faz com que gestores não dividam metas e não acreditem que as pessoas sejam capazes de dar conta do recado. O resultado é uma gestão baseada em controles excessivos que acabam inibindo a criação de algo realmente novo.

Essa é uma das constatações de um amplo estudo chamado "Confiança e Produtividade no Brasil", realizado pelos pesquisadores Marco Tulio Zanini e Carmen Migueles, ambos professores doutores da Ebape/FGV e da Fundação Dom Cabral, também sócios-fundadores da consultoria Symbállein. Ao longo de 16 anos, eles estudaram 40 empresas de grande e médio portes buscando isolar os fatores que explicam o baixo desempenho da economia e das organizações brasileiras, tendo como referência os principais rankings globais (Banco Mundial, OCDE, OMPI e Fórum Econômico Mundial).

Foram aplicados 1.620 questionários que geraram a maior base de dados do mundo sobre confiança em empresas privadas, segundo os pesquisadores. Carmen explica que desde a década de 80 estudiosos procuram entender a relação entre cultura e desempenho econômico, mas pela primeira vez nesse estudo eles conseguiram isolar os aspectos culturais que influenciam a capacidade das organizações de aumentar a sua produtividade. Isso rendeu aos autores uma indicação ao prêmio "Emerald Best International Symposium" no congresso anual da "Academy Of Management", um dos eventos mais importantes na área de administração do mundo, que aconteceu em agosto, nos EUA.

A análise incluiu também pesquisas específicas no Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e no Hospital Albert Einstein porque, segundo os pesquisadores, se tratavam de organizações com um alto grau de confiança e pouca distância hierárquica. "Embora o Bope tenha uma estrutura militarizada, ele consegue trabalhar por gestão compartilhada, o que é atípico no Brasil" diz Marco Tulio.

Os autores identificaram o que chamam de "passivos organizacionais" da cultura brasileira que consomem tempo, energia e que resultam em perdas de competitividade e produtividade. Entre eles, está a distância entre o poder e a base, a baixa confiança que faz com que exista um excesso de regras e controles que engessam a cooperação interna, a pouca disciplina pessoal e o foco exagerado no curto prazo.
                                                               
"O modelo de gestão nas organizações brasileiras é extremamente reativo, porque existe um compromisso muito baixo com a execução do planejamento estratégico", diz Carmen. "Com esses comportamentos, caímos em uma espiral viciosa de perda de produtividade que se reforça com o tempo e que não é mensurada, o que gera retrabalho ou a incapacidade de manter uma manutenção preventiva."

No estudo, os pesquisadores refutam o paradigma de que o problema da baixa produtividade esteja atrelado ao nível de educação da população. "Não há dúvida que o Brasil demanda educação formal, mas temos uma massa crítica qualificada, com MBA, por exemplo, que poderia estar nas empresas", diz Carmen. Ela lembra que o Brasil tem quase oito milhões de alunos cursando a graduação. "Temos mais pessoas com nível superior, cerca de 15% da população, enquanto a China tem 10%. Estamos melhor que todos os Brics", diz. A questão, segundo ela, é que o Brasil está em 34º lugar no ranking de inovação global - já a China ocupa a terceira posição.

O que explica isso, para Carmen, é o lado comportamental, com a nossa baixa capacidade de coordenação interna. "Isso acontece dentro e entre empresas", diz Marco Tulio. Esse é um dos motivos que nos leva a ter dificuldade para firmar consórcios de inovação, como acontece nos países que estão à frente nesse quesito. "Somos um país com um baixo índice de confiança", afirma. Uma das consequências é a falta de paciência, por exemplo, com as pesquisas universitárias. "O foco na pesquisa aplicada aqui é muito maior que na pesquisa pura."

A boa notícia, segundo os autores, é que como a questão da baixa produtividade no Brasil está relacionada a comportamento e a modelos de gestão, trata-se de um quadro que pode ser revertido. "É possível neutralizar o impacto da nossa herança cultural nas nossas organizações", diz Carmen. Para que isso aconteça, será preciso exercitar a liderança compartilhada e manter a disciplina organizacional. Embora estudos mostrem que a confiança é maior em sociedades mais homogêneas e igualitárias, o que não é o caso do Brasil, que está entre os dez países mais desiguais do mundo, é possível avançar na construção de uma maior cooperação interna nas empresas. "As companhias que conseguem isso dão um salto enorme de efetividade."

Para Marco Tulio, embora esse tema ainda passe longe dos conselhos de administração porque causa um certo desconforto, ele é estratégico para o país. "É um assunto que tem impacto não apenas na produtividade das empresas mas na competitividade da nossa economia."

Fonte: Valor Econômico

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