O
professor Eliseu Martins é um dos principais especialistas brasileiros quando o
tema é contabilidade internacional. Respeitado por empresas, reguladores e pela
comunidade acadêmica, foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
durante o período de adoção das normas internacionais de contabilidade e é
professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo. Nesta entrevista especial, Martins cita os principais
desafios que os profissionais contábeis terão em 2015, fala do aumento da
transparência que a adoção do IFRS trouxe aos balanços e aponta o dedo para
aqueles que interferem, indevidamente, na produção de demonstrativos contábeis.
Quais foram os temas que
mais impactaram a atividade dos profissionais contábeis no ano de 2014?
Tenho
a impressão de que o que mais preocupou os profissionais contábeis foram as
discussões em torno dos efeitos da Medida Provisória 627, que depois se
transformou em Lei. Ela teve diversas partes importantes, como o parcelamento
de dívidas e outras, mas, principalmente, a discussão de toda a regulamentação
fiscal das normas internacionais de contabilidade. Desde que estas começaram a
ser emitidas, em 2008, trabalhava-se com o tal Regime Transitório de
Tributação, sob o qual essas normas novas nada tinham de influência tributária.
Que novidades a nova Lei
trouxe?
Esse
diploma legal trouxe muitas novidades para o processo de convergência. Algumas
normas contábeis internacionais continuarão não tendo efeitos fiscais. Outras
passaram a ter e, em muitos casos, a aplicação da lei está dando origem a muito
trabalho. Ou melhor, trará ainda porque a maioria das empresas sofrerá a
vigência dessa lei a partir de 2015. Outro ponto muito controverso dessa lei,
específico agora para um número menor, mas muito relevante em importância de
empresas, é a tributação das controladas e coligadas no exterior. Para variar,
foi um ano bastante animadinho.
Um setor da economia
passou um ano atribuladíssimo, o da distribuição de energia elétrica aos
consumidores finais. Por que isso aconteceu?
Apenas
no final do ano chegou-se ao consenso com modificação dos contratos dessa
distribuição entre essas empresas e o poder concedente, a Aneel, e a emissão da
OCPC-08. Sem isso, essas empresas estariam apresentando fantásticos balanços
negativos, nada representativos da realidade desse setor. Finalmente, mas
também não menos relevante, tivemos a emissão de dois documentos do CPC de
grande importância: um importante e trabalhoso, relativo à racionalização da
elaboração das notas explicativas, e o outro importante, mas sem grandes
efeitos práticos, o da aceitação, pelo IASB, das formas nossas de registro da
equivalência patrimonial.
Quais desafios aguardam os
profissionais no próximo ano?
Teremos,
no início de 2015, um enorme trabalho com os profissionais ajudando no processo
de elaboração das notas explicativas relativas ao exercício de 2014 sob a nova
Orientação OCPC - O4. Eles terão que praticar e ensinar os administradores a
aplicar o conceito de que todas as informações relevantes de natureza
financeira têm de ser colocadas nas notas. No entanto, ao mesmo tempo, somente
as informações relevantes podem constar nessas notas. Discutir e definir o
conceito do que é relevante para cada caso será um processo de aprendizado que,
inclusive, está começando agora sem muito prazo para terminar.
Qual análise o senhor faz
da educação contábil no Brasil?
É
difícil fazer qualquer generalização neste país continental. Mas diversos
trabalhos, como os em andamento com financiamento do BID e em conjunto
Fipecafi/Ibracon/CFC, estão sendo dirigidos exatamente para a melhoria da
qualificação dos nossos professores Brasil afora. Tem havido também, como era
de se esperar, o surgimento de materiais bibliográficos sobre as novas normas
contábeis com maior abrangência e melhor qualidade, o que viabiliza o ensino da
matéria. Ensinar na graduação tendo apenas as normas na mão é uma loucura!
Passado algum tempo desde
que as empresas brasileiras de capital aberto e grande porte começaram a adotar
o IFRS, qual balanço pode ser feito? A contabilidade brasileira ganhou em
transparência?
Quando
comparamos nossas demonstrações com as de países avançados ou semelhantes,
podemos perceber que estamos, sim, entre os bons, nesse caso das companhias
abertas e das empresas de grande porte. Temos, sem dúvida, evoluído e se ganhou
muito em transparência. Com esse passo pioneiro que o Brasil está dando sobre
notas explicativas, teremos condições de, se bem aproveitadas pelas empresas e
pelos profissionais, passarmos à frente de muitos deles. Tivemos um trabalho
insano em muitos setores e em muitas empresas, mas a evolução é absolutamente
visível. O que falta para que a contabilidade avance ainda mais em
transparência no país? Falta destruirmos os dragões do mal que perturbam as
gestões de algumas empresas e que enlameiam suas demonstrações financeiras.
Porém, nesse caso, não por problema das normas ou dos profissionais contábeis,
mas por falta de ética e outros aspectos piores.
Fonte:
Revista Dedução
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