O mecanismo de buscas Will
robots take my jobs? (Os robôs tomarão meu emprego?, em tradução
livre), baseado em pesquisa de professores da Universidade de Oxford, na
Inglaterra, classifica 702 carreiras, em nível mundial, de acordo com a chance
de serem automatizadas — processos em que humanos são trocados por tecnologia.
Entre as profissões com alto risco de substituição, segundo o estudo, está a de
contador e auditor, que obteve índice acima de 90% de chance de automação.
Apesar disso, o levantamento projeta um crescimento de 11% na área até 2024. Os
resultados, no entanto, são contestados por Zulmir Breda, presidente do
Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
Na
visão dele, a função está fora de perigo. Graduado em ciências contábeis pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialista
no assunto pela mesma faculdade, ele acredita que profissionais da área
contábil têm se reinventado, já que, atualmente, as funções do setor exigem
mais do que fazer operações matemáticas (atividade, sim, automatizável),
tornando necessário pensamento analítico e posicionamento crítico. Zulmir é
ainda especialista em contabilidade, auditoria e finanças governamentais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em administração
pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Por que o senhor acredita
que a pesquisa britânica está errada?
A
Quarta Revolução Industrial ajudará nossa profissão. Os computadores de alta
geração auxiliam os trabalhadores, mas há uma distância quilométrica entre isso
e afirmar que a profissão sumirá. Muitas atividades não podem ser executadas
pela tecnologia. O profissional da área é responsável por tomar decisões que
não são só matemáticas e lógicas, pois envolvem análise e juízo de valor. Por
isso, a carreira não será extinta. Quando entrei no mercado, há 30 anos, a
computação estava começando e falava-se muito que a atividade acabaria. Depois
de todos esses anos, a profissão continua em alta e temos mais procura pelo
curso do que no passado. Isso não pode ser indício de que a ocupação está
morrendo. Muitas pessoas têm a visão simplista de que o contador só faz cálculos.
É quase como dizer que a atribuição do médico é só receitar remédio para dor de
cabeça — a parte mais trivial da profissão. A contabilidade é um mundo, há uma
vastidão de temas que são analisados. Máquina nenhuma consegue fazer
julgamentos. O uso da informática ajuda cada vez mais, sempre debatemos isso em
nossos congressos. No Brasil, adotamos normas internacionais que fazem com que
o ramo deixe de ser baseado em regras para ser fundamentado em princípios
complexos que exigem reflexão, o que faz com que a profissão continue
necessária. E isso não só no Brasil, mas em todo o mundo.
Como softwares podem fazer
contas e gerar relatórios de forma quase instantânea, existe o risco de que os
trabalhadores que ainda passam boa parte do tempo fazendo operações matemáticas
sejam trocados por máquinas?
Hoje
cerca de 90% das atribuições técnicas já são feitas por máquinas. E isso não
trouxe redução ao mercado de trabalho. Eu não tenho um indicador para te dizer
se isso acontecerá. Mas sei que o profissional que não se adaptar às novas
tecnologias perderá lugar no mercado perante quem está especializado, o que é
uma realidade em todas as profissões.
Então, a profissão só tem
a ganhar com as novas tecnologias?
A
experiência me diz que sim, nós só ganhamos.
O Guia Salarial da
consultoria Robert Half cita a auditoria interna como uma das áreas promissoras
de 2018. Isso se deve aos grandes esquemas de corrupção e às operações
policiais que ganharam notoriedade no país nos últimos anos. Essa área deve
continuar em alta?
Épocas
de crise econômica fazem com que as empresas dêem atenção especial ao controle
interno com o objetivo de reduzir custos. Tem ficado claro o estrago que a
corrupção faz numa instituição. Todas as informações sobre dados econômicos
passam pelo auditor, o que gera uma demanda de mercado para esses
profissionais. O compliance (conformidade com leis e regulamentos) também é uma
preocupação dentro das empresas. A nossa profissão segue normas internacionais.
Uma delas, que foi editada agora, estabelece que contadores, nas empresas que
prestam serviço, têm de reportar às autoridades qualquer irregularidade
identificada. Então, há uma grande responsabilidade atribuída à profissão.
O fato de a burocracia e a
carga tributária serem altas e complexas no Brasil faz com que contadores sejam
mais requisitados por aqui, em comparação com o cenário de outros países?
A
burocracia faz com que a profissão ganhe importância dentro das empresas.
Embora existam tentativas de desburocratização, tudo ainda é muito complexo por
aqui. Apesar de essa parte tributária não ser a principal função do contador,
ela ainda é muito necessária dentro das empresas.
Como você acha então que
os profissionais que estão se formando agora devem se preparar para o mercado
de trabalho do contador do futuro?
O
que nos preocupa muito em relação aos cursos superiores é a qualidade. As
graduações precisam fornecer conhecimento sobre normas de contabilidade, que
são de alta complexidade, pois adotamos padrão internacional, o que exige alto
nível de julgamento. E existem outras questões fundamentais, como dominar todas
essas ferramentas. Também é importante saber trabalhar com gestão de projetos,
novo papel que contadores têm tido de desempenhar nas empresas, fornecendo
informações qualificadas para a tomada de decisão. Muitas organizações,
inclusive, passaram a ter o cargo de diretor de contabilidade, porque percebem
que a área financeira precisa ser chefiada por um contador.
Fonte:
Correio Braziliense
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