Teve
início a contagem regressiva para as empresas se adequarem à IFRS 16 (do
inglês, International Financial Reporting Standards). A adoção desse novo
padrão contábil entrará em vigor a partir de janeiro de 2019 e exigirá mudanças
na divulgação de transações que envolvem arrendamentos, especialmente aluguéis.
As
empresas deverão reconhecer no balanço suas despesas com arrendamentos
operacionais como financeiras. A matéria é uma das normas internacionais de
contabilidade, editadas constantemente pelo IASB (International Accounting
Standards Board), e às quais o Brasil, assim como outros países, adere.
Na
crise econômica global de 2008, muitas empresas aparentemente sem dívidas
quebraram justamente por terem enormes passivos decorrentes de aluguéis de
longo prazo. Os investidores não enxergaram essas dívidas, pois as companhias
não eram obrigadas a registrar essa informação no balanço. Por isso entender a
chamada bolha imobiliária dos Estados Unidos é tão relevante para compreender a
origem dessa crise.
Tendo
em vista essa realidade, o IASB estimou que aproximadamente US$ 3,3 trilhões em
dívidas com aluguéis estão fora do balanço das empresas em todo o mundo e que
45% desse passivo está localizado na América Latina. No Brasil, esse debate
ganha relevância considerando também como pano de fundo o enorme volume de
empresas que têm entrado com pedidos de recuperação judicial.
Em
2016, o número de ações desse tipo bateu recorde e, para surpresa de muitos,
algumas organizações apresentavam balanços aparentemente limpos. Os
arrendamentos não estavam representados nessa espécie de retrato da situação
financeira empresarial.
Agora,
pela primeira vez, os arrendamentos serão reconhecidos no balanço patrimonial
do arrendatário. Deverá ser registrado um passivo para pagamentos futuros e um
ativo intangível para o direito de uso. O principal desafio dos auditores e
demais interessados será entender os balanços e, principalmente, as
demonstrações de resultados da companhia após essas alterações.
Atualmente,
as transações de locação são utilizadas como instrumento para incorporar
determinados ativos ao balanço. A norma vigente até o final do ano, IAS 17,
estabelece a classificação em duas modalidades. São elas arrendamento
financeiro (semelhante à venda de um bem, na qual a empresa arrendatária assume
os riscos inerentes à propriedade) e operacional (em que os riscos ficam com o
arrendador, e o arrendatário apenas reconhece a despesa ao longo do contrato e
oficializa esse compromisso em uma nota explicativa). A partir do ano que vem,
haverá uma opção para a contabilização do arrendamento - o mercantil.
"O
modelo atual vem sendo cada vez mais questionado por não apresentar uma clara
percepção dos ativos e passivos", ressalta o sócio-diretor da divisão de
auditoria da BDO Henrique Campos. Com a IFRS 16, essa distinção é extinta, e as
empresas passarão a reconhecer a depreciação do ativo e a despesa financeira do
passivo, o que tende a elevar o indicador de endividamento e a alavancagem -
com aumento da dívida sobre a receita.
"Apesar
de a norma valer apenas para balanços referentes ao exercício de 2019, ela
implica em uma reavaliação dos demonstrativos deste ano, cuja comparação pode
ficar comprometida. Por isso, desde já, é fundamental realizar um mapeamento
dos contratos de arrendamento, revisar todos os processos internos e a
comunicação com os investidores", recomenda Campos.
Talvez,
não seja necessário refazer os contratos imobiliários. Cada companhia deverá
avaliar qualquer contrato existente e os futuros contratos tendo em vista os
requerimentos da IFRS 16.
O
principal objetivo da substituição da regra vigente atualmente é a maior
transparência relacionada aos contratos, bem como a padronização do tratamento
contábil dessas mudanças, permitindo maior comparabilidade entre os balanços.
Segundo o sócio da PwC Maurício Colombari, anteriormente, poderia haver
diferenças de critérios contábeis dependendo das características dos contratos
de cada empresa. "A IFRS 16 deixará uma margem menor para
interpretações", projeta Colombari.
Ebitda e fluxo de caixa
operacional devem variar com introdução da norma
Com
a introdução da IFRS 16, será eliminado o conceito de arrendamento financeiro e
operacional, e introduzido um modelo contábil único para o tratamento de todos
os arrendamentos. Os arrendamentos irão gerar despesas operacionais e
financeiras e, dessa forma, a alteração na forma de classificação da despesa de
arrendamento irá aumentar o Ebitda (lucros antes de juros, impostos,
depreciação e amortização) bem como o fluxo de caixa operacional da empresa.
Segundo
o sócio da PwC Maurício Colombari, arrendamentos que eram tratados como
operacionais passam a ser contabilizados no balanço. "Essa mudança pode
ter impacto significativo em algumas empresas, como empresas de varejo, cuja
estrutura de balanço pode alterar de forma significativa", destaca
Colombari.
Henrique
Campos, sócio-diretor da divisão de auditoria da BDO, concorda que o comércio
varejista terá de prestar atenção. O impacto direto nos balanços financeiros
deve impor desafios para o varejo, que já convive tradicionalmente com baixas
margens de lucro e investe com frequência nessa modalidade de negócio.
Segundo
ele, o setor de varejo vive uma intensa transformação em virtude do advento das
plataformas digitais e da conciliação entre o modelo de lojas físicas e
on-line. Além disso, convive com novas obrigações, como a Nota Fiscal
eletrônica (NFe), o Sped e a substituição tributária. Agora, com a IFRS 16, os
desafios tornam-se ainda maiores.
Adicionalmente,
a despesa desses arrendamentos passará a afetar o resultado das empresas como
depreciação. "Isso pode ter impacto significativo em indicadores, como no
caso do endividamento e do Ebitda, para citar alguns exemplos", descreve
Colombari.
Em
tese, o fluxo de caixa deve demonstrar o desembolso efetivo de caixa de uma
empresa e, portanto, em essência, os desembolsos de caixa não terão mudanças
significativas, pois seguem os fluxos financeiros acordados entre as partes. A
principal mudança, salienta o sócio da PwC, é como esses fluxos são tratados no
balanço e seus impactos no resultado. "São esperadas mudanças na geografia
dos demonstrativos de fluxo de caixa nas demonstrações financeiras",
ressalta Colombari.
Mudanças exigem atenção
das estruturas de governança
As
mudanças na contabilidade não estão limitadas ao balanço. O perfil de despesas
de arrendamento será antecipado para a maioria deles, mesmo quando os
pagamentos forem feitos todos os anos.
Tudo
isso deve exigir maiores cuidados das estruturas internas das organizações,
principalmente dos comitês de auditoria e auditores internos. Conforme o sócio
da PwC Maurício Colombari, os comitês terão de avaliar se as empresas estão se
preparando adequadamente para essas mudanças. "Isso vai desde um
diagnóstico dos contratos existentes até a mudança dos controles internos e
sistemas requeridos para a contabilização de acordo com os requerimentos da
IFRS 16", alerta.
Novas
informações também serão necessárias para corroborar a determinação de novos
julgamentos e estimativas utilizados no cálculo do ativo e passivo do
arrendamento na data de início e durante toda a vigência do contrato.
Elas
incluem prazo do arrendamento, taxas de desconto, pagamentos do arrendamento,
aluguéis vinculados a uma taxa ou um índice, pagamentos esperados com base no valor
residual garantido e inclusão de opções de compra e pagamentos de cancelamento.
Embora
os benefícios econômicos e os riscos do arrendamento não se alterem, o novo
modelo de contabilização de arrendamentos mudará as principais métricas
financeiras e os Indicadores-Chave de Desempenho (KPIs); e introduzirá
volatilidade no balanço e no resultado em função dos requisitos contínuos de
mensuração. A companhia deve comunicar de forma cuidadosa e antecipada os
impactos da IFRS 16 para as principais partes interessadas, como investidores,
bancos e agências de classificação de crédito.
Pesquisa da KPMG revela
preocupação de empresas
A
IFRS 16 inspirou a pesquisa Mudança Contábil 2017 (em inglês, Accounting
Change), feita pela KPMG com cerca de 245 companhias (76% públicas e 24%
privadas) no mundo todo que representam os principais setores da economia
global.
O
estudo revela que a maioria das empresas considera os desafios do processo de
adoção da nova norma maiores do que os inicialmente imaginados.
A
respeito do novo padrão de arrendamentos, o estudo mostra que apenas 13% das
empresas concluíram sua avaliação contábil. Outras 51% montaram uma equipe de
gerenciamento de projeto, 29% completaram seu inventário de contratos de
locação, e 18% selecionaram um software para controlar os contratos de locação.
Os
desafios inesperados estão gerando complicações à transição. Pelo menos 50% dos
entrevistados revelaram que suas empresas enfrentaram problemas imprevistos 78%
não imaginavam a magnitude da dificuldade do processo.
De
acordo com a KPMG, os resultados da pesquisa mostram que, além da análise
contábil, é essencial que as empresas avaliem a necessidade de uso de uma
solução sistêmica. Quanto mais as empresas percebem que precisam de um sistema
que as ajude a implementar o novo padrão contábil, mais elas precisam
incorporar custo e tempo à adaptação.
Dos
entrevistados, 42% disseram não ter certeza de quanto tempo levariam para
implementar as mudanças ou novos softwares. Entre os que estimaram prazo, 45% crêem
que levará seis meses ou menos, enquanto a maioria acredita que serão mais de
seis meses.
Principais pontos de
atenção em relação à IFRS 16
- A definição de arrendamento abrange todos os contratos que dão direito ao uso e o controle de um ativo identificável, incluindo contratos de locação, e potencialmente, alguns componentes de contratos de prestação de serviços.
- As despesas do arrendamento não serão mais reconhecidas de forma linear. Essas serão contabilizadas como despesa de juros e amortização, sendo que a despesa total de arrendamento será maior nos primeiros anos de contrato.
- Os elementos variáveis dos pagamentos de arrendamento não serão considerados no cálculo do passivo, sendo registrados como despesa operacional.
- Os ativos e passivos de arrendamentos deverão ser divulgados de forma separada no momento de fazer as demonstrações financeiras.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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