Um
dos grandes enigmas da economia brasileira é o contraste entre o persistente
aumento dos gastos com o programa de seguro-desemprego e a acentuada redução
das taxas de desemprego observados nos últimos 12 anos.
Enquanto
a taxa de desemprego medida pela PME caiu de uma média anual de 12,3%, em 2003,
para 4,8%, em 2004, os gastos com seguro-desemprego subiram de R$ 6,6 bilhões,
em 2003, para cerca de R$ 36,8 bilhões, em 2014 – alta de 204%, acima da
inflação do período.
As
substanciais elevações do salário mínimo (65,7% acima do IPCA) e do grau de
formalização do mercado de trabalho brasileiro (aumento de 75,8% de
trabalhadores celetistas) entre 2003-2014 são os principais responsáveis.
O
outro fator é a elevada taxa de rotatividade do trabalho no país. O que
surpreende alguns analistas é que o número de demitidos sem justa causa não
seguiu a queda da taxa de desemprego. Na verdade, aconteceu o contrário. A
proporção dos trabalhadores CLT demitida sem justa causa subiu de 41,5% em 2003
para 44% em 2013, com pico de 46,2% em 2010, segundo o Ministério do Trabalho.
O
fato a ser destacado é que a rotatividade do trabalho no Brasil é altamente
pró-cíclica. Quando a economia vai bem, não apenas aumenta o número de pessoas
que pedem demissão voluntariamente, o que é comum em outros países, mas aumenta
também o número de trabalhadores demitidos involuntariamente.
Isso
fez com que a proporção de beneficiários do seguro-desemprego tenha se mantido
praticamente constante entre 2003-2014 na faixa de 16,5%-17% do contingente
formal de trabalhadores.
Já
há certo consenso de que a taxa de rotatividade é um dos maiores problemas do
mercado de trabalho no Brasil, tendo atingido números espantosos. Levando em
conta todos os motivos, o total de vínculos trabalhistas rompidos ao longo de
um ano corresponde a 64% dos vínculos ativos no final do ano anterior, com pico
acima de 66% observado nos anos de 2010 e 2011.
Essa
elevada rotatividade ocorre em grande parte devido aos incentivos embutidos na
legislação trabalhista. Há várias disposições da legislação que só existem no
Brasil e que desincentivam relações de trabalho duradouras, ao tornar rentável,
a curto prazo, tanto para firmas quanto para trabalhadores, o rompimento
precoce do vínculo.
O
programa de seguro-desemprego convive com o FGTS, que cumpre funções
semelhantes e oferece retorno abaixo da inflação, o que aumenta o incentivo a
acessar o saldo via demissão. Por outro lado, por determinação constitucional, o
benefício do seguro-desemprego não pode ser inferior a um salário mínimo. Isso
significa uma taxa de reposição de 100% do salário para o trabalhador que
recebe um salário mínimo. Nos demais países, essa taxa varia de 50% a 80%.
Se
somarmos todos os benefícios e indenizações (três parcelas de
seguro-desemprego; aviso prévio; 13º salário, férias e adicionais pro rata; saldo do FGTS e multa de 40%),
um trabalhador brasileiro que recebe um salário mínimo e que tenha permanecido
seis meses no mesmo emprego tem direito a receber 6,15 salários mínimos se
demitido sem justa causa.
Há
evidências claras de que esses incentivos induzem, de fato, as demissões sem
justa causa. Os dados da RAIS mostram que o número de vínculos trabalhistas CLT
desfeitos por demissão sem justa causa aumenta substancialmente quando o
trabalhador completa seis meses de tempo de serviço. Em 2013, há um salto de
606 mil para 712 mil demissões involuntárias de trabalhadores com cinco e seis
meses de tempo de serviço, respectivamente.
Sobre
os falsos acordos de demissão, convido o leitor a entrar no sítio Yahoo!
Respostas e digitar “acordo demissão” no ícone “Buscar em respostas”. Acessei
2.664 entradas. O exemplo típico é de uma trabalhadora que diz que gostaria de
sair, mas pergunta como ser mandada embora, se é possível “fazer um acordo” com
a empresa. Afinal, ela gostaria de acessar FGTS e seguro-desemprego.
Muitos
dos que respondem avisam que “isso é fraude”, mas “é muito comum”. De acordo
com os depoimentos, as empresas em geral só exigem em troca a devolução da
multa de 40% do FGTS. Quando não há acordo, muitos forçam a demissão – qualquer
empresário sabe como é difícil manter um trabalhador insatisfeito.
Remédio imperfeito
Ao
final de dezembro, o governo emitiu medida provisória que, entre outras medidas
bem-vindas que visam coibir abusos nos gastos com pensões por morte, abono
salarial e bolsa-pesca, só age no sentido de dificultar o acesso ao
seguro-desemprego nas duas primeiras solicitações.
A
mudança mais brusca se concentrou na primeira solicitação. Em vez de comprovar
6 meses de emprego formal nos últimos 36 meses, o trabalhador tem que mostrar
que trabalhou 18 meses com registro nos últimos 24.
Pelas
contas do governo, mais de 50% dos trabalhadores que solicitam o benefício pela
primeira vez em 2014 não seriam elegíveis a recebê-los sob as novas regras.
A
mudança é excessivamente radical, com foco apenas no aspecto fiscal do
seguro-desemprego, sem levar em conta os demais incentivos. Os principais
afetados seriam trabalhadores jovens e de setores com elevada rotatividade,
como construção civil e agricultura, aos quais seria praticamente vedado o
acesso ao benefício.
Na
prática, a MP introduz um desincentivo á formalização de trabalhadores que
nunca solicitaram o seguro-desemprego. Por outro lado, os defeitos da atual
legislação continuariam intocados para os que já solicitaram o benefício duas
vezes.
Como
a MP só entraria em vigor em março, espera-se uma elevação nas quebras de
vínculos trabalhistas em janeiro e fevereiro, com a corrida de trabalhadores
que nunca usaram o seguro-desemprego para recebê-lo antes das novas regras.
O
que fazer? O ideal seria reduzir moderadamente o acesso independentemente de
qual solicitação e aumentar os incentivos para que tanto trabalhadores quanto
empresas prefiram relações de trabalho mais longas.
Só
assim o país obteria reduções significativas da rotatividade, o que geraria
ganhos fiscais e de produtividade no médio prazo.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
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