Com
a abrangência atual das declarações eletrônicas para fisco, questões antigas
são revisitadas sob a nova realidade tecnológica; como no caso abaixo, que
tratou de uma autuação com arbitramento do lucro, fundado na
imprestabilidade da contabilidade de uma pessoa jurídica.
É
que um contribuinte transmitiu sua Escrituração Contábil Digital (ECD), mas
pleiteou, para uma fiscalização do fisco federal, que considerasse apenas a
contabilidade tradicional e não as informações digitais, “tendo em vista que
estes arquivos não representam corretamente a escrituração contábil da empresa
à época”.
O
fisco não atendeu o pedido, alegando que seria uma análise em contabilidade
paralela, já que, para fins legais, a contabilidade é a transmitida via SPED; e
procedeu ao arbitramento, “uma vez que a própria empresa afirmou que a
contabilidade transmitida via SPED não representa corretamente a sua
escrituração contábil, conclui-se que a forma correta de se proceder à apuração
do lucro da empresa no período não pode ser evidentemente a adoção de uma
contabilidade paralela, e sim o arbitramento do lucro da empresa conforme
previsto no artigo 530, inciso II, do Decreto n° 3000, de 26/03/99”.
Apreciando
o recurso, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais julgou, por
unanimidade, que, mesmo com o SPED, continua sendo necessário que o fisco
comprove defeitos na contabilidade, não cabendo fixar a imprestabilidade da
escrita apenas pela existência de vícios na ECD; assim ementado e fundamentado:
Acórdão
1201-001.227 (publicado em 06.01.2016)
LUCRO
ARBITRADO.
Incabível
o lançamento do IRPJ mediante arbitramento do lucro quando a autoridade
tributária não demonstrar que os vícios, erros ou deficiências contidos na
escrituração contábil do sujeito passivo a torna imprestável para identificar a
movimentação financeira da empresa ou para determinar o lucro real.
Voto
(…)
Durante
a ação fiscal a fiscalizada informou haver apresentado a escrituração contábil
digital (ECD) via sistema público de escrituração digital (SPED).
Posteriormente, solicitou à autoridade fiscal que considerasse em seus
trabalhos de auditoria a escrituração a ele apresentada, uma vez que os
arquivos enviados ao SPED não representariam corretamente a escrituração
contábil da empresa.
A
autoridade, entretanto, não atendeu a solicitação da contribuinte. Argumentou
que a escrituração enviada ao SPED e regularmente autenticada pela Junta
Comercial do Estado de Minas Gerais, é aquela que produz efeitos legais. (…)
Ocorre
que a confissão de que os arquivos transmitidos ao SPED não representam
corretamente a escrituração da empresa não autoriza concluir-se que,
necessariamente, essa escrituração seja imprestável para identificar a efetiva
movimentação financeira ou para determinar o lucro real. (…)
Assim,
não comprovada a imprestabilidade da escrita enviada ao SPED, cai por terra o
arbitramento do lucro.
Provas
e questões em recurso especial
Buscando superar divergência interna do Carf, um contribuinte interpôs um
recurso especial dirigido à Câmara Superior de Recursos Fiscais. Porém, foi
negado seguimento ao recurso porque não teria havido a indispensável
apresentação de julgados com conclusões díspares sobre uma mesma questão
jurídica, mas apenas diferença na apreciação de provas de cada caso.
Irresignado,
o contribuinte impetrou mandado de segurança apontando haver divergência, pois,
por participação em uma mesma operação societária, no seu caso o Carf manteve a
multa qualificada de 150% e, no caso apresentado como paradigma, a multa foi
reduzida para 75%.
No
primeiro grau foi negada a liminar, já que, “não obstante se tratar da mesma
operação societária, os acórdãos confrontados estão delineados por premissas
fáticas distintas quanto à existência ou não de intuito de fraude por parte dos
sujeitos passivos das obrigações tributárias, daí porque o não reconhecimento
da divergência apontada pela Autora”.
Contudo,
no recurso para o segundo grau, decisão monocrática no TRF da 1ª Região supera
a dicotomia entre prova e questão jurídica para REsp, considerando
que, se ante autuações com similitude fática e atuação idêntica, dois acórdãos
chegam a conclusões diferentes sobre o enquadramento, resta caracterizada uma
divergência jurídica suficiente para dar seguimento a REsp; assim fundamentado:
Agravo
de Instrumento nº 0050717-26.2015.4.01.0000 (publicado em 12.01.2016)
Na
espécie, pelo que se depreende da análise dos autos, a agravante, sucessora da
empresa “AA” e a empresa BB participaram de forma idêntica da “reestruturação
societária” da empresa “CC”, mas seus recursos na via administrativa obtiveram
conclusões jurídicas divergentes, uma vez que a Primeira Câmara do Primeiro
Conselho de Contribuintes entendeu que na operação de “reestruturação
societária” da empresa “CC” estaria configurado o intuito de fraude tributária
e a Oitava Câmara entendeu que estaria configurada a elisão fiscal.
Assim,
pode-se afirmar que a Primeira e a Oitava Câmaras do Primeiro Conselho de
Contribuintes deram à lei tributária interpretação divergente para o mesmo caso
concreto, no qual as empresas envolvidas, além de atuarem de forma idêntica,
foram autuadas pela mesma fiscalização, como pode ser comprovado pela análise
dos Termos de Verificação Fiscal de fls. 58/121 e 265/328.
Dessa
forma, tendo em vista a completa e inequívoca similitude fática entre os
acórdãos em questão e a evidente divergência jurisprudencial, o recurso
especial da agravante deve ser admitido, nos termos do que dispõe o artigo 37,
§ 2º, II, do Decreto-Lei 70.235/72.
Decisões
variadas
a) No Acórdão 1301-001.867 (publicado em 06.01.2016), apreciada multa por atraso na entrega de arquivos digitais para fiscalização. E Turma do Carf, por unanimidade, afastou a multa porque existe norma sancionadora para apresentação dos arquivos sem a forma prevista (art. 12, I, da Lei 8.218/91) e para arquivos entregues com atraso (art. 12, III, da Lei 8.218/91); mas, incidindo o contribuinte nas duas hipóteses, não poderia haver cumulação e nem aplicação da multa mais gravosa; assim ementado: “na circunstância em que são detectadas diversidades de condutas, isoladamente passíveis de aplicação de sanção específica, mas que, consideradas conjuntamente, não se identifica previsão na lei acerca da penalidade a ser aplicada, resta evidenciada situação capaz de atrair a interpretação mais favorável a que faz referência o art. 112 do Código Tributário Nacional”.
a) No Acórdão 1301-001.867 (publicado em 06.01.2016), apreciada multa por atraso na entrega de arquivos digitais para fiscalização. E Turma do Carf, por unanimidade, afastou a multa porque existe norma sancionadora para apresentação dos arquivos sem a forma prevista (art. 12, I, da Lei 8.218/91) e para arquivos entregues com atraso (art. 12, III, da Lei 8.218/91); mas, incidindo o contribuinte nas duas hipóteses, não poderia haver cumulação e nem aplicação da multa mais gravosa; assim ementado: “na circunstância em que são detectadas diversidades de condutas, isoladamente passíveis de aplicação de sanção específica, mas que, consideradas conjuntamente, não se identifica previsão na lei acerca da penalidade a ser aplicada, resta evidenciada situação capaz de atrair a interpretação mais favorável a que faz referência o art. 112 do Código Tributário Nacional”.
b)
No Parecerz 1.657/15 (publicado em 23.11.2015), a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional examinou a viabilidade de uma conciliação entre uma empresa pública e
a Receita Federal, tendo por objeto autuação de contribuição previdenciária.
Porém, o Parecer conclui não ser possível a conciliação, tendo em vista o Carf ter
julgado o caso, decisão que teria natureza materialmente judicante, já que não
há autoridade hierarquicamente superior que possa rever o mérito. Assim
arrematando: “iii) acórdão de mérito proferido pelo CARF não pode ser revisto
em sede de Câmara de Conciliação, por ferir os princípios e regras que norteiam
o controle hierárquico da Administração Pública; iv) a revisão do lançamento
tributário compete à autoridade que o lavrou ou ao órgão colegiado competente,
nos termos do art. 142, do CTN, impedindo que a sua revisão ocorra no âmbito da
CCAF”. (Conjur)
Mary
Elbe Queiroz é pós-doutora e doutora em Direito Tributário. Membro do CONJUR da
FIESP. Membro da Comissão de Juristas do Senado para estudar a
Desburocratização. Membro Imortal da ANE. Presidente do IPET. Professora.
Advogada sócia de Queiroz Advogados.
Antonio
Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e
diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças
Públicas do Brasil.
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