Bem
remunerados e mais demandados pelas empresas, os contadores têm pela frente o
desafio de encarar os altos índices de estresse.
Planilhas,
documentos, folhas de pagamentos, guias preenchidas pela internet, prazos
apertados para a entrega da documentação, cobranças dos contratantes e tensão
ante a constante possibilidade de ter as informações prestadas confrontadas
pela Receita Federal. Por trás de tudo isso está o contador, profissional que
ocupa as primeiras colocações nos rankings dos segmentos com maior nível de
estresse.
Estudo
recente da instituição de prevenção e combate ao estresse International Stress
Management Association no Brasil (Isma Brasil) aplicado a mil entrevistados de
Porto Alegre e São Paulo no ano passado, comprova que o profissional de
Finanças – ramo que abrange a Contabilidade – fica atrás apenas dos
trabalhadores da Saúde e Indústria no ranking dos mais estressados. Na terceira
posição entre os ramos pesquisados, o profissional sofre para traspor desafios
como acúmulo de tarefas, instabilidade e falta de autonomia.
Os
níveis de estresse entre todos os brasileiros são preocupantes. Pesquisas do
Isma Brasil indicam que 70% dos profissionais brasileiros sofrem alguma sequela
devido ao alto nível de stress. Desse total, 30% atingiram o nível mais
elevado, conhecido como Burn Out - esgotamento mental intenso causado por
pressões no ambiente profissional.
O
mesmo levantamento do instituto de controle do estresse aponta que o Brasil é o
segundo país com o maior nível dessa mistura de frustração, irritação e
ansiedade do mundo. Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
demonstram que doenças causadas por estresse e depressão afastam do trabalho
mais de 200 mil pessoas por ano no País.
Tido
como um dos males da pós-modernidade, o estresse pode assolar o trabalhador de
qualquer área, mas, inegavelmente, aqueles que lidam diretamente com as contas
de uma pessoa física ou jurídica e são responsáveis pelos balanços, fechamentos
e relatórios tornam-se os mais atingidos. Tudo isso combinado com o aumento das
obrigações e a obrigatoriedade de adaptação às novas exigências fiscais e
ferramentas tecnológicas agrava ainda mais esse “gatilho” para o aparecimento
de outras doenças.
Obstáculos também ajudam a
evoluir na profissão
A
dor de cabeça nas Ciências Contábeis parece não ter fim. Por outro lado, os
profissionais de contabilidade nunca foram tão valorizados, inclusive
economicamente. Pesquisa realizada pela empresa de recrutamento especializada
Robert Half estima que 58% dos diretores financeiros do Brasil esperam aumento
na remuneração dos profissionais de finanças e contabilidade em 2014. Os
resultados do estudo, realizado com 2.535 executivos de finanças e
contabilidade de 16 nacionalidades, colocam o Brasil como quarto país em que
mais se aposta em aumento salarial para esses executivos neste ano, atrás
apenas da China (70%), Hong Kong (69%) e Nova Zelândia (60%).
Para
o empresário contábil Cláudio Nasajon, da Nasajon Sistemas Contábeis, isso se
explica exatamente pelas dificuldades enfrentadas na prática contábil. “Quanto
mais difícil é uma tarefa, mais valor têm aqueles que conseguem executá-la bem.
No caso da legislação empresarial brasileira, é preciso ser quase um mago para
se atingir um nível razoável de proficiência”, adverte.
O
contador e perito contábil Márcio Lavies Bonder, do Escritório Lavies Bonder de
Porto Alegre, aproveita os obstáculos para evoluir na profissão. Graduado em
duas universidades, Bonder não para de se qualificar e diz que só isso garante
tranquilidade no dia a dia. O desafio, então, é tirar proveito da grande
demanda por profissionais sem colocar em risco a própria saúde. As pressões e
demandas estão aumentando, e não há perspectiva de que vão baixar. Pelo menos
não num futuro próximo. “É responsabilidade de cada profissional estabelecer
seus próprios limites e zelar pela sua qualidade de vida. O dinheiro que
eventualmente você pode estar recebendo a mais agora pode ser gasto em
hospitalização ou no tratamento de uma doença mais tarde”, salienta a psicóloga
Ana Maria Rossi.
É preciso atenção ao
surgimento de novas tecnologias
Entre
os principais geradores de estresse, segundo levantamento da Isma Brasil, em
primeiro lugar está a falta de tempo para realizar um número cada vez maior de
tarefas. A sobrecarga de trabalho e o excesso de atividades são apontados por
64% dos entrevistados como o primeiro dos grandes vilões para o bem-estar.
Após,
na lista da entidade, está o medo da demissão, tido como grande fonte de
ansiedade para 56% das pessoas ouvidas. Em terceiro lugar, vem o excesso de
responsabilidade e a falta de autonomia, fator destacado por 47% dos
entrevistados e que “assola principalmente os responsáveis pela área financeira
e, consequentemente, contábil”, enfatiza a presidente do Isma Brasil e doutora
em psicologia clínica, Ana Maria Rossi.
Além
desses três fatores diagnosticados em pesquisa, a psicóloga lembra que o
desequilíbrio entre a valorização e o esforço empenhado também é um fenômeno a
ser levado em conta ao analisarmos os níveis de estresse no País. “Muitos
profissionais sentem que estão trabalhando mais do que deveriam por que não são
gratificados pela colaboração. E essa gratificação nem precisa ser financeira.
Às vezes, um tapinha nas costas é suficiente”, pontua.
O
presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), Antônio Palácios,
afirma que há um certo agravamento do estresse cotidiano exatamente pela
necessidade de estar em constante adaptação e pelo grande acúmulo de tarefas e
responsabilidades nas mesas dos contadores. “Aumentaram as exigências da
Receita Federal, que hoje são o principal motivo de atenção da maioria dos
nossos profissionais, e as evoluções tecnológicas ocorrem em uma velocidade que
a categoria não consegue acompanhar”.
Não
é à toa que a rotina tida pela maior parte dos contadores como a mais
estressante é o eSocial (Sistema de Escrituração Digital das Obrigações
Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas). A ferramenta exige adaptação técnica
e maior atenção às informações fornecidas devido ao cruzamento completo de
todos os dados prestados. Ao mesmo tempo, as dúvidas colocam os setores
tributários e fiscais em lugar de destaque no organograma empresarial, no
centro da tomada de decisões e do tratamento de informações. Esta dinâmica pode
servir de exemplo do protagonismo que vem sendo assumido pelo profissional
contábil na dinâmica empresarial e, paralelamente, do peso que recai sobre as
suas costas.
O
perito contábil Márcio Lavies Bonder, com formação em Ciências Contábeis e
Direito, é jovem no ramo (atua há 10 anos) e, talvez por isso mesmo, diz não
sentir desgaste ao ter de buscar qualificação e aprender a utilizar as novas
tecnologias. O segredo, segundo ele, é não levar o estresse para casa, estudar
para não se desesperar ao se deparar com um processo complicado e se organizar
para cumprir os prazos apertados. “É claro que quanto mais valorizado, maior é
a responsabilidade, mas não é por isso que eu me digo estressado. Mas também
sou de uma geração que conheceu a contabilidade com o uso de tecnologias,
diferente de quem está há muitos anos na profissão”, admite o contador.
Representante
dos profissionais contábeis no Estado, Antônio Palácios informa que, depois do
eSocial, o que mais tira o sono da classe é a adoção das Normas Internacionais.
Segundo Palácios, o problema agora não são as regras, que já estão bem
estabelecidas, mas a falta de preparo das empresas para prestar aos
profissionais da contabilidade as informações necessárias para desenvolver o
trabalho e elaborar os balanços de acordo com o que as normas exigem.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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