A
função precípua da Receita Federal não é o controle da corrupção, porém, a
análise dos dados financeiros das empresas, a serem coletados pela escrituração
digital, tanto contábil quanto fiscal, pode ser de grande serventia. As
empresas, a partir deste ano, passam a preparar e a enviar para as autoridades
fiscais a Escrituração Contábil Digital (ECD) – já em vigor – e a Escrituração
Contábil Fiscal (ECF). E, no próximo ano, o chamado e-Social. A verificação
desses dados de maneira comparada por empresas e setores pode apontar para
alguns indícios de práticas ilícitas, inclusive que venham a ser reveladas como
práticas de corrupção.
Um
exemplo: o cruzamento de informações, de fornecedores e clientes, indicaria a
existência de operações fictícias, se o seu registro aparecesse em apenas uma
das partes contratantes. Se confirmado, esse “negócio fantasma” teria
relevância para a sonegação fiscal, mas, ao mesmo tempo, poderia revelar a
existência de “caixa 2” em um dos lados da transação. E os recursos não
contabilizados seriam investigados para fins de esclarecer se foi caso de
corrupção ou não.
Outro
exemplo: o cruzamento de informações entre empresas concorrentes indicaria a
existência de negócios sub ou superfaturados. Novamente, essa informação teria
sua importância para efeito de cálculo do montante a ser recolhido a título de
tributos, e, ao mesmo tempo, a ocorrência de práticas diferentes das condições
de mercado. Sendo uma das partes do negócio uma empresa pública, haveria
indícios de corrupção.
Ainda
que os tributos sejam devidamente recolhidos, uma análise direcionada dos dados
financeiros constantes do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped)
poderia indicar práticas de corrupção. Como foi comentado anteriormente, a
“receita” da corrupção estaria, em tese, sujeita a tributação, mas essa
situação não eximiria a conduta ilícita; da mesma forma, o registro da
“despesa” de corrupção e da extorsão deveria ser ajustada para efeito de
tributação, o que seria indício de corrupção. Conquanto não seja essa a função
primordial do Sped, esse “big brother” fiscal pode vir a ser importante para o
combate da corrupção.
Por
se tratar de controle eletrônico, a escrituração digital apresenta uma grande
vantagem e um grande perigo. A vantagem é que o cruzamento e a análise dos
dados financeiros das empresas podem ser, praticamente, instantâneos, com uma
combinação de comandos adequados. Entretanto, o grande perigo reside no fato de
que essa tarefa seria impessoal e extremamente genérica, apresentando
conclusões apressadas, sem os devidos e necessários esclarecimentos. Por conta
disso, os direitos dos contribuintes devem ser preservados de maneira
intransigente.
Nesse
sentido, em primeiro lugar, o sigilo fiscal deve ser absolutamente inviolável.
O vazamento de informações constantes do Sped não é apenas prejudicial às
potenciais investigações que podem ser realizadas, inclusive de práticas de
corrução, mas também à livre concorrência e à livre iniciativa. O sigilo de
dados é pedra angular do controle eletrônico de tributação.
Depois,
os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa devem ser
fortalecidos, especialmente no âmbito do procedimento administrativo. As
conclusões extraídas do cruzamento de dados do Sped não podem conduzir, de
maneira açodada, à aplicação de penalidades. Os contribuintes devem ter
fortalecido o seu direito ao esclarecimento daquilo que o computador apontou de
maneira fria, até como forma de evitar novas oportunidades de extorsão.
Fonte:
Jornal Contábil
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