A
forma como milhões de brasileiros pagam suas contas começa a mudar a partir de
março. Alvo de fraudes milionárias nos últimos anos, os boletos bancários vão
ficar mais modernos. O benefício mais visível para o cliente será a
possibilidade de pagamento em qualquer banco mesmo após a data de vencimento.
Por
trás da inovação, está um projeto da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
que fará com que todos os boletos passem a ser registrados em uma única
plataforma até o fim do ano. A nova forma de cobrança também mudará a forma
como empresas e instituições financeiras organizam os pagamentos.
O
número de boletos emitidos no país chegou a 3,7 bilhões em 2015. A movimentação
chamou a atenção de quadrilhas que se especializaram em fraudar os documentos.
Sem o registro, o banco só toma conhecimento da emissão do boleto quando o
documento bate na compensação, o que facilita a ação dos criminosos. No ano
passado, o volume de recursos desviados com o golpe chegou a R$ 320 milhões, de
acordo com dados preliminares da Febraban.
Com
o novo sistema, a empresa que emitir uma cobrança precisa enviar os dados para
o banco, que alimenta a plataforma. No momento do pagamento, os dados do código
de barras serão comparados com os registrados no sistema. "Se as
informações não estiverem na base, ou o boleto foi fraudado ou não foi
registrado", afirma Walter de Faria, diretor-adjunto de operações da
Febraban.
A
nova plataforma também deve evitar outros problemas recorrentes envolvendo
boletos, como o erro no preenchimento de informações e o pagamento de títulos
em duplicidade, segundo Faria. As mudanças ocorrerão de forma gradual. Em
março, entrarão no sistema os boletos com valor acima de R$ 50 mil. Dois meses
depois, as faturas a partir de R$ 2 mil passarão a ser registradas. O
cronograma se estende até dezembro, quando 100% das cobranças devem estar na
plataforma.
O
processo de adaptação dos sistemas de bancos e empresas emissoras corre bem e
não deve haver atrasos, segundo o executivo. Originalmente, o sistema estava
previsto para entrar em operação no início deste ano.
Embora
o registro não seja obrigatório, Faria espera que a adesão seja ampla, já que
os títulos que não estiverem na plataforma só poderão ser pagos no banco ao
qual estão vinculados. "Além disso, os fraudadores provavelmente vão
monitorar as empresas que decidirem operar o sem registro", afirma.
A
perspectiva da entrada no novo sistema de cobrança ainda não inibiu as quadrilhas
especializadas no chamado "golpe do boleto". "A percepção é que
houve uma migração recente da fraude de pessoas físicas para organizações
maiores", afirma Fernando Carbone, diretor da Kroll, consultoria de riscos
que tem sido contratada por empresas lesadas com o golpe. Carbone diz que a
soma de recursos desviados de clientes nos últimos meses foi de aproximadamente
R$ 21 milhões.
Em
geral, a fraude ocorre com um vírus instalado no computador do pagador do
boleto. Mas as quadrilhas também se especializaram em encontrar falhas na
página da internet ou e até em obter informações com funcionários da empresa
emissora do boleto, segundo o diretor da Kroll.
Além
de dificultar a ação dos golpistas, o registro dos boletos na plataforma vai
mudar o cotidiano de uma série de companhias. A principal preocupação é com o
aumento de custos. O valor da cobrança registrada vai depender da negociação com
os clientes, mas a tendência é que seja maior do que o sistema atual. "Os
bancos podem negociar um valor menor no registro e compensar com uma tarifa nos
títulos que forem liquidados”, diz Eduardo Morishita, gerente de Produtos do
Bank of America Merrill Lynch (BofA).
Os
impactos da mudança serão diferentes dependendo da forma que cada empresa
realiza sua cobrança. Entre os segmentos mais afetados está o de comércio
eletrônico. Com o novo sistema, quando um consumidor optar por fazer uma compra
com boleto, o documento precisará antes passar pelo sistema do banco. Hoje,
esse processo é feito de forma automática pelo site.
As
vantagens do novo sistema, porém, devem mais do que compensar a mudança no
procedimento, segundo Dênis Corrêa, gerente-executivo da diretoria de soluções
empresariais do Banco do Brasil. No BB, além de o sistema permitir a emissão e
o registro do boleto de forma simultânea durante a compra, o processamento da
operação será feito em 30 minutos, contra um dia que a loja precisa esperar
hoje para saber se o boleto foi pago e despachar o pedido. “Trata-se de um
benefício tremendo para o comércio”, diz.
Quem
também deve mudar a forma de atuação em consequência da mudança são as
entidades que se valem da emissão de boletos como forma de arrecadar recursos,
como as ONGs, associações e igrejas. Como a maioria dos títulos não é paga, o custo
do registro pode não valer a pena.
De
forma indireta, o novo sistema de cobrança de boletos pode afetar até a
competição bancária. Com a possibilidade de pagamento de boletos vencidos em
toda a rede, instituições de menor porte devem ganhar maior competitividade em
serviços prestados a empresas. "Com a mudança, cai por terra o argumento
de que as empresas precisam de um banco com rede de agências em cash management
[gestão de caixa]”, afirma Annali Duarte, diretora dos negócios de transações
bancárias do BofA.
Fonte:
Valor Econômico
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