A
celeuma em torno das anunciadas mudanças na aposentadoria não intimida o
especialista Nilton Molina. Segundo o seu diagnóstico, “a transformação da
previdência social no Brasil está décadas atrasada”.
No
entanto, para ele, a solução, passa por um ponto zero – a recriação do sistema
apenas para quem ainda não trabalha nem contribui e com benefício igual para
todos. E de uma nova legislação para que os 60+ possam voltar ao trabalho em
condições flexíveis.
Ferrenho
defensor da racionalidade quando o assunto é aposentadoria, ele tem uma longa
convivência com o tema nos cargos que ocupou em seguradoras e entidades
setoriais. Ele também é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo
(ACSP).
Atual
presidente do Conselho de Administração da seguradora Mongeral Aegon, Molina
assumiu o mesmo cargo no Instituto Longevidade, recém-criado pela multinacional
holandesa.
Na
instituição, ele tem a missão de tirar os brasileiros da resistência em pensar
no que significa ganhar mais 30 anos de vida. É o está para acontecer com a
humanidade pela primeira vez em larga escala. “Estamos fisicamente e
mentalmente capazes de permanecer na força de trabalho por mais tempo do que a
geração de nossos pais.”
30 ANOS A MAIS
O
inédito prolongamento da vida que passamos a desfrutar traz inúmeros desafios
para o Brasil e a previdência social é um dos mais críticos. Para Molina,
propostas que sempre causam polêmica, como aumento da idade mínima, fim da
diferença entre mulher e homem e sistema universal, são inadiáveis. Mas não da
maneira como vêm sendo propostos pelo governo interino de Michel Temer.
“Não
acredito em reformas que atinjam direitos ou expectativas de direito”, explica.
“A população economicamente ativa, que está financiando a previdência hoje, é
quem seria prejudicada nessa mudança, não quem já se aposentou ou ainda nem
trabalha.”
Para
ele, a transformação que a previdência está necessitando deve estabelecer uma
idade de corte para quem ainda não tem expectativas porque não trabalha nem
contribui. “Poderia ser válida para quem tem hoje 16 anos, por exemplo”, disse.
Como vem sendo feito nos países mais ricos, ele prevê um sistema único e
igualitário para todos brasileiros - civis, servidores e militares.
Também
seria um benefício para cobrir as necessidades básicas. “Com uma população que
deve chegar aos 80, 90, não há mais condições para os governos financiarem 30
anos de aposentadoria. A longevidade passa a ser um problema de cada um de
nós.”
Segundo
essa visão, teremos que cuidar da própria saúde, para ter bem estar na velhice,
e completar a pensão social com recursos próprios. “Como as pessoas não vão
mais morrer aos 60 anos, terão que continuar a trabalhar e poupar”, disse
Molina.
ENVELHECIMENTO PRODUTIVO
Trabalhar
por toda a vida é uma perspectiva ruim? Para o especialista, trata-se de uma
das melhores soluções. “Resolve dificuldades trazidas pela aposentadoria, como
o isolamento social, o mal estar com a inatividade, o sentimento de
desvalorização vivido pelos mais velhos. Além de proporcionar a melhora da
renda.
Pode
incluir sair de período integral para meio período e passar a exercer funções
menos exigentes ou mais satisfatórias ou mesmo iniciar uma nova carreira.
A
ideia não está distante do que pensam muitos brasileiros. A sede internacional
do Instituto Longevidade promove regularmente a Pesquisa Aegon de Preparo para
a Aposentadoria. Em 2015, foi realizada em 15 países, incluindo o Brasil.
Embora
seja um dos países em que está mais crítica a situação da previdência social, é
uma realidade para muitos brasileiros ter que permanecer no mesmo emprego após
a aposentadoria formal. Garantir a renda dupla, no entanto, acontece em
situação irregular.
Na
pesquisa, o instituto levantou que 74% dos brasileiros com mais de 55 anos veem
com bons olhos um sistema de transição flexível para a aposentadoria. O
principal motivo seria permanecer ativo e manter o cérebro alerta.
Por
outro lado, a pesquisa constata que é baixo o apoio a essa medida entre os
empregadores. Sem legislação específica, a coisa não anda.
ESTAGIÁRIO SÊNIOR
Uma
das propostas do Instituto Longevidade e de Molina caminha nessa direção. Está
pronto para ser enviado ao Senado um projeto de lei para enfrentar um tabu
nacional - a reinserção de aposentados e pessoas com mais de 60 anos no mercado
de trabalho.
Chamada
de Regime Especial de Trabalho do Aposentado (Reta), a proposta se inspirou na
Lei do Estágio para prever relações trabalhistas mais flexíveis, total
desvinculação do sistema CLT e incentivos para empresas que contratarem
profissionais maduros. Na visão do instituto, o Brasil precisa se acostumar a
ver as pessoas mais velhas no trabalho.
A
proposta estende a elas as mesmas condições de contratação que as empresas
estão acostumadas a dar ao jovem estagiário – treinamento, horário flexível,
condições adequadas de trabalho e isenções trabalhistas e previdenciárias.
“Em
2045, metade da população brasileira terá mais de 50 anos e capacidade de viver
até 90”, enumera o conselheiro da Mongeral. “Com que mão de obra as empresas
vão contar? Quem vai manter o nível de consumo? De onde virá a renda dessa
população?”
Essa
pode ser uma imagem difícil de mentalizar para quem tem 25 anos hoje (e terá
mais de 50 em 29 anos). Mas se trata de um fenômeno consolidado. Em 2016, os
brasileiros com mais de 50 chegaram ao número de 46 milhões, quase um quarta da
população.
“São
pessoas que não têm nada a ver com o estereótipo do idoso”, disse Molina. “Têm
saúde, experiência, vitalidade, capacidade produtiva, aspirações. Estas
pessoas, felizmente, não morrem mais aos 60 anos. E estão ignoradas no Brasil.”
Com
redação dos professores Hélio Zylberstein, da FEA-USP, e Nelson Mannrich, da
Faculdade de Direito da USP, o projeto de lei mira a principal fragilidade da
mão de obra madura, a desatualização profissional. E também pretende compensar
o rigor da legislação que obriga o aposentado a trabalhar na informalidade.
A
revolução tecnológica deu fim ou transformou a maioria das atividades e para se
readequar ao novo ambiente de trabalho os aposentados precisam de
requalificação. “Não estamos falando de profissões que podem ser exercidas até
o fim da vida, como médico, advogado, contador”, explica o especialista.
A
transformação necessária, segundo Molina, passa pela valorização da vida
produtiva e mudanças nas políticas públicas. O projeto de lei pretende ser um
primeiro passo nessa direção.
Fonte:
Diário do Comércio – SP
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