A
Medida Provisória 808, que altera uma série de disposições da reforma
trabalhista, está perto de “caducar” no Congresso, de modo que questões
polêmicas terão que ser solucionadas pela via judicial, incluindo o debate
sobre a abrangência das mudanças nos contratos vigentes.
Um
dos pontos cruciais é a aplicação da reforma para contratos firmados antes do
início da vigência da Lei 13.467/2017, que introduziu mais de 100 modificações
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A MP diz expressamente no artigo 2º
que a reforma trabalhista se aplica, na integralidade, a todos os contratos de
trabalho vigentes. Se a norma não for confirmada no Congresso até o dia 23 de
abril, esse artigo será suprimido e a questão para quais contratos a lei vale
terá que ser resolvida no Judiciário Trabalhista, o que levará muito tempo.
Segundo
o advogado trabalhista do Miguel Neto Advogados, Vinicius Alves, sem a
confirmação da MP em lei, o juiz será obrigado a legislar sobre o que o
Congresso não fez. “Isso traz insegurança jurídica, porque quem vai decidir o
que vale e o que não vale são os juízes por meio dos julgamentos de processos
que vão ter que subir até o [Tribunal Superior do Trabalho] TST pelo menos”,
afirma. E pode não parar por aí, visto que as questões relacionadas ao direito
constitucional terão que ser analisadas no próprio Supremo Tribunal Federal
(STF).
Quando
foi aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer, a reforma
trabalhista gerou uma forte reação de juristas que consideram que as mudanças
na CLT retiram direitos dos trabalhadores. O momento mais emblemático desta
revolta foi a jornada da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra) em outubro do ano passado, com 125 enunciados indicando uma
interpretação da lei. Entre eles, os juízes apontaram diversas supostas
inconstitucionalidades no texto que passou a valer em novembro, levando
diversas pessoas a crer que a associação estaria orientando os magistrados a
não aplicar a lei.
De
acordo com a advogada de direito de trabalho do escritório Roberto Caldas,
Mauro Menezes & Advogados, Érica Coutinho, a MP estava longe de resolver
todos os problemas destacados pelos advogados defensores do trabalhador, mas
suavizou diversos deles. Um dos pontos mais polêmicos é a tarifação do dano
extrapatrimonial, que pela redação pura da reforma leva em consideração o
último salário do empregado ofendido. “Assim, trabalhadores que recebem menos
teriam direito a indenizações por danos morais menores. A MP colocou uma gradação
de ofensa de acordo com o teto dos benefícios do [Instituto Nacional do Seguro
Social] INSS. Ainda é inconstitucional pela tarifação, pois não poderia ter uma
definição a priori do tamanho do dano, mas é menos problemático do que vincular
ao salário”, avalia a especialista.
Apesar
de todos os problemas que decorreriam de deixar caducar a MP, as perspectivas
para aprovação no Legislativo são baixas. Faltam apenas duas sessões para o
encerramento do prazo e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), disse no início de abril que não deve se esforçar para votar a
medida. “Se caducar, caducou”, afirmou a jornalistas. Para o parlamentar, o
texto da norma possui itens que fazem a legislação “andar para trás.”
Na
opinião da sócia do Securato e Abdul Ahad Advogados, Cláudia Orsi Abdul Ahad, o
cenário político deste ano prejudicou o andamento de qualquer pauta no
Legislativo. “Por causa das eleições, esse é um ano difícil para passar
alterações em leis e MPs”, conta. A advogada entende, contudo, que é natural
resolver as polêmicas no Judiciário.
“A
lei tem pontos interpretativos, com ou sem MP. O mesmo fato pode ser entendido
de um jeito por um juiz e de maneira diferente por outro”, destaca. Cláudia
lembra que um dos pontos mais criticados da reforma, sendo alvo de diversas
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), é o fim da contribuição sindical
obrigatória, que não foi contemplado pela MP 808. “A MP não resolveu todas as
polêmicas e todas as controvérsias.”
Efeito prático
Por
outro lado, o advogado Vinicius Alves alega que os efeitos práticos do fim da
vigência da medida provisória vão ser sentidos imediatamente por algumas
empresas. “Como a questão da gorjeta estava na MP, foram feitos acordos com
sindicatos, o empresário investiu dinheiro e agora o que ele pagou não serve de
nada mais. Temos vários casos de executivos que gastaram para se adequar à MP e
o investimento acabou perdido”, conta o especialista.
Pela
MP 808, a gorjeta “não constitui receita própria dos empregadores, destina-se
aos trabalhadores e será distribuída segundo os critérios de custeio e de
rateio definidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
Enquanto isso, a lei que instituiu a reforma não dedica nenhum artigo específico
à regulamentação da gorjeta. Se a medida caducar, neste caso específico, será
como se nenhuma reforma tivesse sido realizada. “Enquanto não houver uma nova
MP, os acordos realizados com base na 808 perdem validade”, conclui.
Fonte:
DCI – SP
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