Um
trabalhador de Brasília, que prefere não se identificar, descreve o que ele
mesmo diz ter sido a pior experiência profissional que já teve. "Eu fiquei
desempregado, e é claro que, quando a gente sai do mercado, vai em busca de uma
nova recolocação de forma rápida. E eis que apareceu essa oportunidade de
contratação como pessoa jurídica", diz ele.
A
contratação de pessoa jurídica, também chamada "PJ", é como a
terceirização de um serviço. Por meio dela, a contratante repassa à contratada
a responsabilidade de assumir e tocar uma atividade. Sem alternativa, o
trabalhador se vê obrigado a abrir uma empresa para garantir a contratação.
"Não
me foi ofertado nenhum outro tipo de contratação, muito pelo contrário. Foi
levantado diversas vezes que eu teria apenas benefícios com aquilo, uma vez que
o salário seria maior. Eu me vi na necessidade de ter que abrir uma empresa,
arcar com os custos de abertura de uma empresa para que pudesse ser contratado
pela minha fonte pagadora", relata o trabalhador.
Outra
prática é recorrer à compra de notas fiscais de terceiros, o que é muito comum
em diversos segmentos, principalmente, na área de vendas, de comunicação e no
ramo de tecnologia. Hoje, as notas podem ser facilmente obtidas até por
telefone.
Uma
instituição indicada por um tomador de serviços, por exemplo, orienta o
interessado em obter a nota a preencher um cadastro para fazer parte de uma
associação. "O registro da documentação no cartório leva 24 horas para
sair. Aí, o futuro associado tem que estar munido do RG, CPF, comprovante de
residência e a proposta de adesão preenchida. É um documento fácil, sem
burocracia", explica o atendente.
Outra
pessoa, que apenas fornece notas fiscais a supostos prestadores de serviços,
informou à reportagem cobrar 8% do valor total da nota para emiti-la.
"Toda vez que você precisar, você me liga, me passa os dados da empresa,
que eu vou emitir", garante.
Fraude
Para
o Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal, a prática da
"pejotização" é o que alimenta há anos esse mercado criminoso.
"A gente percebe que nesse caso há sempre o ganho. Alguém está ganhando
alguma coisa. Então, quem está vendendo uma nota está cobrando um
comissionamento pela venda. Ele não está prestando um serviço", explica
Sandra Batista, presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Distrito
Federal (CRCDF).
O
procurador do Trabalho José de Lima Ramos destaca que a "pejotização"
é uma das principais formas de fraude trabalhista. "É realmente a
precariedade das relações de trabalho, das relações sociais e das relações
humanas", avalia, acrescentando que o trabalhador que fornece uma nota
repassada por terceiros pode estar incorrendo no crime de falsidade
ideológica.
Os supostos benefícios da chamada
"pejotização" atraem ao criar uma falsa realidade de mercado mais
vantajosa para os empregados. Quando os trabalhadores aceitam constituir
empresa para serem contratados como prestadores de serviço, na maioria dos
casos, o que pesa, além da oportunidade, é o valor da remuneração e o gasto
menor com encargos sociais. Mas ao optar por não ter carteira assinada, o
suposto prestador de serviços abre mão de uma série de direitos trabalhistas
previstos em lei, como FGTS, Previdência Social, 13º salário, férias, horas
extras, seguro-desemprego, entre outros.
Na
prática, quem é PJ deve ter empregados próprios, não deve sequer cumprir
horários, nem ser subordinado a ninguém. Mas a independência financeira e a
autonomia na gestão, principais características da pessoa jurídica, desaparecem
quando o PJ assume o papel de empresa e de empregado ao mesmo tempo. E passa a
ser tratado como um trabalhador comum.
Vínculo empregatício
À
medida que novos casos de "pejotização" são denunciados no país, a
Justiça do Trabalho se debruça no combate à ilegalidade. Nos tribunais,
decisões têm favorecido os trabalhadores. Todas as perdas causadas pela
tentativa dos empregadores de burlar a legislação trabalhista vêm sendo
recompensadas com o reconhecimento de vínculo empregatício entre os
profissionais e as empresas tomadoras de serviço.
"O princípio da primazia da realidade tem
sido aplicado pelos juízes que, na verdade, desconsideram essa pessoa jurídica
para possibilitar que o trabalhador tenha os direitos trabalhistas regulares e
que o Estado receba regularmente a previdência e os encargos sociais que são
devidos pelas empresas", enfatiza Luciano Augusto de Toledo Coelho, juiz
da 12ª Vara do Trabalho de Curitiba, no Paraná.
Para
o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Brandão, a
"pejotização" é um fenômeno que periodicamente o Tribunal se preocupa
em analisar. "É mais uma espécie decorrente da criatividade humana para
burlar a lei trabalhista", frisa.
Quem
já sentiu no bolso os prejuízos da chamada "pejotização" alerta.
"Não se deixe seduzir por salários acima da média, e que, na verdade, não
são reais. São perdas que você só vai dar conta de mensurar após algum tempo.
Quando realmente precisar, vai ver que está perdendo nessa luta", conclui
o trabalhador citado no início da reportagem.
Fonte:
Justiça em Foco
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