As
contribuições sobre o faturamento estão ganhando participação como fonte da
arrecadação previdenciária, em detrimento da folha salarial, segundo
levantamento dos economistas José Roberto Afonso e Vilma Pinto, do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Essa tendência,
que passou a ganhar força com a instituição do Simples, se acentuou nos últimos
meses com a desoneração da folha de pagamentos, que alterou a base da
contribuição previdenciária de 56 setores, que passou de 20% sobre a folha para
alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento.
De
acordo com o balancete mensal da União publicado pelo Tesouro Nacional, a
contribuição patronal com base na receita bruta representou, entre janeiro e
junho deste ano, 24,9% da receita total da Previdência, aumento de 2,4 pontos
percentuais em relação ao ano passado. Já a contribuição do empregador sobre a
folha dos assalariados caiu de 40,8% nos seis primeiros meses de 2013 para
38,9% em igual período deste ano, enquanto a dos próprios empregados caiu
menos, de 22,6% para 22,2%.
A
mudança é mais visível se for considerado um período mais longo. Em 2004, por
exemplo, a arrecadação com base na receita era de apenas 10,8% do total,
enquanto as contribuições sobre folha eram de 45,7%. Para Afonso, esses dados
acendem uma luz amarela, porque tornam a Previdência Social, que já tem
dificuldade para fechar contas, mais exposta às flutuações do ciclo econômico.
A
"substituição" da folha salarial pela receita bruta, afirma Afonso,
começou com a Constituição de 1988, que previu que os produtores rurais
contribuíssem para aposentadorias com um percentual sobre as vendas. A criação
do regime simplificado para as microempresas, o Simples, também alterou a base
de contribuição de parte significativa dos empregadores do país, que passaram a
recolher impostos com base no faturamento.
A
desoneração da folha de pagamentos a partir de 2012 contribuiu para acentuar
essa tendência, que vai na contramão do que ocorre no restante do mundo.
"Na prática, a contribuição previdenciária no Brasil virou uma espécie de
minissistema tributário", diz Afonso. Em vez de incidir basicamente sobre
salários, como na maioria dos países, aqui há contribuições sobre faturamento,
sobre a prestação de serviços, sobre comissão de cargos públicos e até sobre
espetáculos esportivos, afirma o economista.
Apenas
os contribuintes contemplados pela desoneração da folha, por exemplo, já
respondem por 5,9% da arrecadação previdenciária. Como a desoneração tem sido
ampliada e apenas em fevereiro deste ano todos os 56 ramos de atividade alteraram
a base de recolhimento, é possível que essa tendência fique ainda mais evidente
à medida que seja possível anualizar os resultados, afirma Afonso. "Esse é
um dos aspectos do incentivo tributário que são pouco comentados", afirma.
A
alteração no padrão de financiamento do regime geral da Previdência, diz o
economista, é preocupante, porque o torna mais vulnerável às oscilações no
nível de atividade do país, que nos anos mais recentes tem surpreendido para
baixo, sem perspectivas de retomada mais robusta no curto prazo. Já o nível de
emprego tem mantido comportamento bem mais estável, ao menos no período
recente, mesmo com a desaceleração das vendas e da produção, evidência de que
as empresas têm procurado retardar ou minimizar demissões de trabalhadores.
"A
estratégia brasileira de trocar salário por faturamento pode ter sido um mau
negócio para o futuro imediato das contas previdenciárias e das públicas em
geral", afirmam os pesquisadores em texto para discussão.
Em
momentos de baixa expansão do PIB ou de recessão, por exemplo, o tamanho da
renúncia equivalente à desoneração da folha de pagamentos tende a aumentar, já
que a base de tributação, o faturamento, perderia força.
No
longo prazo, Afonso avalia que essa mudança de composição exige discussão mais
profunda em relação ao equilíbrio das contas da Previdência, porque nos últimos
anos a arrecadação foi favorecida por um importante processo de formalização da
mão de obra, que não deve se repetir tão cedo. "O ideal seria traçar novos
cenários e até mesmo políticas para o setor", dizem os autores do
levantamento.
Fonte:
Valor Econômico
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