Em
2014 teremos grandes acontecimentos: Copa do Mundo, eleições e também o
eSocial, que pode ser resumido como o registro eletrônico dos eventos da vida
dos trabalhadores brasileiros.
Mesmo
de natureza bem específica, em relação aos demais fatos marcantes do próximo
ano, esse novo componente do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED),
projetado pelo governo, promete transformar a rotina de muita gente. Para ser
mais exato, cerca de 6 milhões de empresas e 7,2 milhões de empregadores
pessoas físicas.
Elemento
essencial no cenário das novas tecnologias tributárias abrangerá a folha de
pagamento e as obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relativas à
contratação e utilização de mão de obra onerosa, com ou sem vínculo
empregatício.
Além
de atender às demandas de informação da Receita Federal, o eSocial inclui o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), a Caixa Econômica Federal (CEF), o Conselho Curador do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a Justiça do Trabalho. Em suma,
passaremos a conviver com todo um ambiente virtual, estabelecido dentro de um
modelo de registro digital dos eventos trabalhistas.
Entretanto,
existem grandes questões em torno dessa nova obrigação: ela reduzirá o peso da
burocracia brasileira? O prazo para adequação será suficiente? Sua implantação
nas empresas será simples ou complicada?
Resumidamente,
o eSocial tem um enorme potencial para simplificação das obrigações tributárias
e trabalhistas, mas tudo dependerá da forma com que será implantada e,
sobretudo, da mobilização da sociedade civil para pressionar as autoridades no
cumprimento desse quesito.
Afinal,
segundo o Banco Mundial, nosso custo de conformidade tributária e trabalhista é
o maior do planeta. E, mesmo com o SPED, que está em implantação desde 2005,
embora tenha sido instituído oficialmente em 2007, o Brasil não consegue sair
da última posição deste ranking.
Enfim,
não dá para afirmar se o potencial de redução da burocracia do eSocial se
tornará uma realidade ou apenas mais uma promessa. Espero que a primeira
alternativa seja a vencedora. Na dúvida, é melhor que entidades representativas
da sociedade e dos empresários debatam melhor o tema.
Sobre
a adaptação das empresas, é importante destacar que esse projeto tem uma grande
vantagem sobre os demais. A maior parte das normas regulatórias desse sistema é
de ordem trabalhista, e não tributária, como ocorre nos outros projetos do
SPED. Isso, por si só, já é uma alento, pois não teremos 31 alterações diárias
na legislação.
Contudo,
ela é "uma regulação rígida e fundada na lei federal, que praticamente
engessa toda a relação entre patrão e empregado", além de ser
"excessivamente detalhista e confusa, o que gera insegurança
jurídica" e muitas lacunas, como já afirmou o presidente do Tribunal
Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen.
Do
ponto de vista tecnológico, o eSocial assemelha-se à Nota Fiscal eletrônica
(NF-e). Cada fato ou evento trabalhista terá um arquivo digital, assinado
digitalmente e transmitido às autoridades. Tudo indica que esse aspecto será
equacionado pelas empresas desenvolvedoras de software, dada a experiência
adquirida a partir da implantação da NF-e no país.
Porém,
há um aspecto de alto impacto e grande relevância para o aumento dos riscos na
implantação do eSocial. A cultura do "jeitinho brasileiro". Os
puritanos que me perdoem, mas não há como desconsiderar essa característica,
uma vez que até mesmo o poder executivo federal e as grandes companhias
estatais eventualmente lançam mão de "contabilidade criativa" nas
contas públicas, bem como inúmeras formas de "flexibilizar" as
normas, procedimentos e, até mesmo, a ética.
Nesse
contexto, empregadores e empregados não agem de forma diferente. Qual é o
empregador que "flexibiliza" procedimentos na área trabalhista? Quem
nunca pediu ao chefe férias sem cumprir o prazo mínimo de comunicação?
Então,
um dos maiores desafios é convencer 6 milhões de empregadores, dos quais 99%
são pequenas empresas, que agora será preciso seguir rigorosamente os
procedimentos e prazos legais. E mais, avisar aos colaboradores que o
"Leão" está de olho nos "jeitinhos" e, portanto, a regra
vale para todos.
Outro
ponto de alto impacto no risco da implantação do eSocial é a distribuição de
processos e informações trabalhistas interempresas. Explico: a quase totalidade
das pequenas empresas brasileiras tem sua folha de pagamentos processada por
terceiros. Esses, em geral, são escritórios contábeis que dependem das
informações fornecidas em conformidade com o prazo e a qualidade requeridos.
Acontece
que em um país tão diverso, as formas de comunicação entre empresas e
organizações contábeis são, por sua vez, das mais variadas. Telefonemas,
recados, documentos e anotações em papel, e-mails, planilhas, sistemas de
mensagens instantâneas, e até mesmo redes sociais são utilizadas para informar
dados do empregado, admissões, rescisões, atestados, faltas, horas-extras,
afastamentos etc. Com o eSocial, outras informações serão necessárias: serviços
tomados de cooperativas ou cessão de mão de obra, aquisição de produção rural,
entre outros.
Na
prática, não será viável trabalhar com métodos precários de troca de
informações. Empresas e contadores terão que usar sistemas realmente capazes de
integrar organizações e departamentos.
Se,
por um lado, o eSocial é um projeto aparentemente simples em termos de
adequação do software, como alguns especialistas em tecnologia da informação
têm afirmado, por outro, sua complexidade cultural e organizacional é a maior
de todos os projetos do SPED. Subestimar esses dois aspectos é, no mínimo, uma
demonstração de amadorismo.
Portanto,
considerando-se a necessidade de mudança cultural, bem como a de (re)
organização nos processos relacionados à questão trabalhista nas pequenas
empresas, inclusive na comunicação entre empregador e escritório contábil,
ainda me resta a dúvida: será que o ano de 2014 bastará para os três grandes
eventos?
Por
Roberto Dias Duarte
Fonte:
Fiscosoft
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