Desde
2010, quando o Brasil aderiu às normas internacionais de contabilidade (em
inglês, International Financial Reporting Standards, IFRS) consolidou-se no
País uma nova prática contábil, que vem se desenvolvendo gradativamente desde
então. Como qualquer mudança significativa, essa também tem seus percalços
inevitáveis, mas passíveis de ajustes.
Passados
quase quatro anos de apresentação das demonstrações financeiras produzidas em
consonância com as normas internacionais, o saldo da experiência brasileira é
positivo, apesar do receio inicial e das contínuas adequações estabelecidas
visando a ajustes para os países optantes pelo IFRS.
A
alteração de processos estabeleceu uma mudança de filosofia na elaboração de
demonstrações contábeis, explica Bruno Salotti, professor da Fundação Instituto
de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e da Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “O IFRS é um conjunto de normas baseado em
princípios e, no Brasil, tínhamos um modelo baseado em regras. Em termos
comparativos, do que havia antes para o que existe agora, houve avanço, e não
tem como negar”, valida.
Salotti
ressalta que hoje balanços e demonstrações contábeis têm melhor qualidade,
conclusão a que chegou também o terceiro estudo produzido pela Ernest &
Young (EY) em parceria com a Fipecafi para analisar a publicação de informações
financeiras pelo IFRS. “Em três anos, obtivemos um avanço importante e o
mercado todo está em uma curva de aprendizado”, acrescenta o sócio líder do
escritório da EY no Rio Grande do Sul, Américo Franklin Neto, que também
concorda com a ideia de que as normas internacionais impulsionaram uma mudança
cultural, de hábitos e de rotina no País.
“É
um processo ainda de maturação, de conhecimento das normas, que são complexas,
demandam envolvimento de especialistas e privilegiam a essência ao invés da
forma, diferentemente da modalidade anterior que favorecia os contratos”,
sintetiza o diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil
(Ibracon), Idésio Coelho. Fica claro que as mudanças, por mais que sejam
benéficas, não são simples. A cada novo ano, a prática diminui barreiras, mas
também torna evidente a importância de atenção às informações divulgadas e
ajustes normativos para que a proposta do IFRS não se perca.
O
saldo, depois de três anos de demonstrações financeiras apresentadas pelo modelo
do IFRS, é positivo e o maior ganho para o País foi o de transparência nas
informações prestadas, avalia Neto. “A transparência é o maior benefício, pois
qualquer país consegue entender melhor a informação. Então, como estamos no
mercado global, só destaco melhorias para o Brasil.”
Com
mudanças sempre em curso, as IFRS exigem de contadores e auditores atualização
constante. Idésio Coelho, diretor técnico do Ibracon, destaca que a
qualificação ainda é o maior entrave para a obtenção de melhores resultados.
“As normas não são tão obscuras a ponto de dificultar a aplicação. O que
emperra é a capacitação”, resume.
A
adequação do Brasil aos pronunciamentos ocorre dentro da normalidade, avalia
Coelho, mas é entre as empresas auditadas que têm sido verificadas as melhores
práticas, em função do treinamento mais ajustado. “A empresa que não é auditada
vive mais no seu próprio mundo, fica sem modelo até como benchmarking e, assim,
leva um tempo maior de ajuste.”
Danilo
Simões, sócio do Departamento de Práticas Profissionais da KPMG no Brasil,
lembra que a adesão brasileira foi rápida, com anúncio feito em 2007 e
aplicação em 2010, período curto para desenvolvimento. “Do ponto de vista de
formação dos profissionais e do ambiente acadêmico, não houve tempo hábil para
uma preparação adequada. Foi uma adoção positiva para o mercado de capitais,
porém, a infraestrutura (conhecimento e maturação dos integrantes das
informações financeiras) exigiu que o aprendizado ocorresse com a prática.”
Por
outro lado, o Brasil teve a vantagem de conhecer o modelo de outros países que
já haviam adotado as normas, benefício que se perdeu a partir de 2010, quando o
País passou a ser suscetível às alterações das regras, tendo que aplicá-las de
imediato, assim como os demais países. E, nesse ritmo dinâmico, evoluem as
normas, o mercado e os profissionais.
Ao
avaliar as demonstrações financeiras feitas por 60 companhias brasileiras de
capital aberto em 2012, o estudo da EY em parceria com a Fipecafi concluiu que,
embora tenha sido constatada uma melhora gradual nas informações prestadas, o
excesso de notas com conteúdo pouco relevante para o leitor e a subjetividade
interpretativa para algumas regras (estabelecidas, no Brasil, pelo Comitê de
Pronunciamentos Contábeis – CPC) afastam os relatórios do objetivo central das
IFRS: diminuir as incertezas do mercado.
“Para
quem está de fora, pode dar uma impressão de que, quando você diz que adota as
IFRS, as demonstrações são 100% comparáveis às de outra empresa que também
adota as normas internacionais, porém, as próprias normas, em algumas
situações, permitem escolha e cada empresa pode seguir um caminho específico”,
alerta o doutor em Controladoria e Contabilidade Bruno Salotti, professor da
Fipecafi e da FEA-USP.
Uma
situação que ilustra bem a dificuldade promovida pela escolha de métodos
distintos é o CPC 28, que trata da propriedade para investimento. Salotti
explica que há duas possibilidades diferentes para apresentação das
informações. Uma é o modelo de custo, que registra o preço de aquisição e,
posteriormente, de depreciação. A outra é o modelo do valor justo, no qual é considerado o preço da propriedade a cada
demonstração, revelando valorização ou desvalorização do espaço de acordo com o
mercado.
No
estudo da EY, 71% das companhias com propriedade para investimento recorreram
ao modelo de custo contra 29% que optaram pelo valor justo. Das 60 empresas
avaliadas, sete apresentaram propriedade para investimento. Dessas, cinco
mensuraram as propriedades pelo método de custo (BM&FBovespa, EcoRodovias,
MRV Engenharia, Multiplan e Sabesp) e duas pelo método de valor justo (BR Malls
e BR Properties).
“Para
mostrar os impactos das escolhas contábeis feitas pelas companhias,
apresentamos os resultados que deixaram de ser apropriados no período de 2012
pela MRV Engenharia e pela Multiplan por terem escolhido o método de custo como
avaliação de suas propriedades para investimento.
Podemos
observar que, caso as companhias MRV Engenharia e Multiplan tivessem escolhido
o valor justo, o ganho de fair value (valor justo), respectivamente,
representaria 56,97% e 487% de seus resultados em 2012”, aponta o documento. “É
um ponto de atenção. Quem vai analisar tem que ter consciência de que não é só
sair comparando”, orienta Salotti.
A
tendência, conforme avançam os debates sobre a aplicação dos pronunciamentos, é
de que as normas restrinjam cada vez mais as opções de escolha a fim de
uniformizar as informações prestadas. “No passado, a quantidade de opções que
existia nas normas era maior e foi diminuindo. Mas as mudanças são feitas a
partir de um amplo debate. É um processo político forte, amplo e demorado”,
observa o professor da Fipecafi.
Já
em relação ao excesso de notas explicativas e à relevância das informações
prestadas, mudanças devem ser anunciadas em um prazo curto e, provavelmente no
próximo ano, o IASB anuncie procedimentos a serem adotados. “Uma coisa patente,
que tem sido ponto negativo, é que as empresas com adoção das IFRS têm levado de maneira irracional a imposição
de divulgação”, avalia Ricardo Julio Rodil, sócio da Baker Tilly Brasil e
conselheiro do Ibracon.
Para
Rodil, o excesso de notas é o maior gargalo das IFRS. “Em última instância, a
intenção das normas é dar informação relevante ao usuário. Mas se eu faço 40
páginas de notas com a mesma ênfase a assuntos menos relevantes e mais
relevantes, fica difícil para o leitor distinguir o que é o quê.
Isso
tem se tornado um empecilho à boa informação”, acrescenta. Danilo Simões, sócio
do Departamento de Práticas Profissionais da KPMG no Brasil, destaca que a
preocupação em reportar todas as informações solicitadas pela norma leva muitas
empresas a cumprir com essa prerrogativa de forma literal e automática, muitas
vezes poluindo a demonstração financeira. “Existem documentos que repetem
muitas informações”, ressalta.
Apesar
dos pontos em debate – que não se refletem apenas nos balanços produzidos pelo
Brasil, mas afetam todos os países adequados às normas -, as IFRS resultaram em
melhorias, trazendo maior transparência para os dados divulgados no País e
reduzindo o custo de capital, além de melhorar a qualidade da informação
contábil.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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