Originalmente,
era uma medida provisória que tratava apenas de incentivos para infraestrutura
da indústria petrolífera. Nas idas e vindas das tramitações parlamentares, no
entanto, a Lei 12.249, de 2010, passou a abarcar outros temas e atingiu
diretamente o mundo contábil. Uma das muitas emendas inseridas na medida
original determina que, a partir de 2015, só poderão obter registro
profissional em Contabilidade quem tiver Ensino Superior. Com isso, o futuro
dos técnicos ficou incerto e duas vertentes duelam: os que acreditam que é só
uma mudança de prerrogativas e os que veem nisso o fim da profissão.
A
Lei 12.249, de 2010, alterou o Decreto-Lei 9.295, de 1946, que regulamenta a
profissão contábil, determina a criação do Conselho Federal de Contabilidade e
define as atribuições dos contadores e guarda-livros que, depois, tornaram-se
os técnicos em contabilidade. As novas definições passam a exigir o Ensino
Superior para obter o registro da categoria, mas mantêm as prerrogativas
profissionais dos técnicos já registrados e permite que os que estão se
formando obtenham registro até o dia 1 de junho do ano que vem. Após esta data,
técnicos não registrados não poderão realizar algumas das atividades que hoje
cumprem.
As
mudanças não representam o fim da categoria, pois, enquanto houver pessoas com
essa formação, haverá técnicos no mercado. É o que garante a professora do
Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Ufrgs e vice-presidente do
CRCRS, Ana Tércia Rodrigues. “Não está sendo extinta a categoria dos técnicos
em contabilidade. Na verdade, o que se está eliminando são os novos registros.
O que acontece é que, a partir de 2015, os técnicos não terão mais algumas
prerrogativas profissionais como, por exemplo, assinar balanços ou ser titular
de uma organização contábil. Quem já tem o registro, entretanto, vai manter
essas possibilidades”, acredita.
A
procura pelos serviços dos técnicos não deve diminuir. A consequência, avalia a
professora, é a continuidade de uma tendência atual, da utilização dos técnicos
em funções mais auxiliares. “A atividade de cunho mais gerencial e estratégico
é exercida pelo profissional de nível superior”, afirma Ana Tércia. “O mercado
contábil continua muito aquecido e todas as empresas e organizações contábeis
contam com técnicos, mas na grande maioria dos casos em atividades auxiliares –
e isso vai continuar acontecendo”. Essas diferentes atribuições devem garantir,
segundo a professora, uma definição mais clara no mercado de qual é o papel do
contador.
A
exigência do curso superior para o exercício da profissão se justifica pela
necessidade de conhecimentos que vão além da parte estritamente operacional,
como métodos quantitativos ou de direito. “No nível superior, o profissional
tem uma visão da Ciência Contábil de uma forma bem mais ampla, principalmente
da interação com outras áreas de conhecimento. Não tenho a menor dúvida de que,
no patamar em que a contabilidade se encontra enquanto profissão, enquanto área
de conhecimento, o Ensino Superior é indispensável para uma boa formação de um
profissional”, garante Ana Tércia.
Os
técnicos em contabilidade são, no Rio Grande do Sul, 40% dos profissionais da
área. Existem quase 15 mil técnicos e mais de 22 mil contadores. No Brasil, a
proporção é semelhante. Mesmo com o grande número de profissionais, existe um
temor de que os técnicos acabem se extinguindo. “Nós estamos indo na contramão
de algo que o governo federal incentiva”, reclama o técnico em contabilidade
Daniel de Souza. Para ele, as novas medidas contrastam com o grande incentivo
que a União tem dado aos cursos técnicos, por meio de iniciativas como o
Pronatec.
O
impacto das mudanças, analisa Souza, não deve ser sentido imediatamente, mas em
longo prazo. “O Conselho Federal de Contabilidade diz que isso não é a extinção
dos técnicos, mas nós entendemos que, por tabela, ninguém vai querer fazer um
curso que não dá a habilitação para exercer a profissão”, reclama Souza. Para
ele, deveria ter ocorrido uma revisão na carga horária dos profissionais. “Foi
feita uma simplificação, sem discutir junto à sociedade. O que se alega é que
os cursos técnicos não formam mais como antigamente, mas também existem muitas
faculdades que não preparam adequadamente os profissionais de nível superior da
nossa área”, critica. Souza considera que as medidas são prejudiciais à
contabilidade, uma vez que a profissão é tanto operacional quanto analítica, e
o trabalho dos técnicos complementa o dos contadores.
O
presidente do Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre (SCPA), Clésio Luís
da Silva, compartilha das críticas de Souza. Para ele, há contradição com os
incentivos aos cursos técnicos, além de ter faltado estudo junto à sociedade
quando da implementação das mudanças, que teriam sido feitas sem considerar as
escolas técnicas, os alunos e os profissionais que estão entrando na área.
Segundo o presidente, o que se deverá ver em breve é uma falta de mão de obra.
“Vai sobrecarregar a profissão dos bacharéis contadores na prestação de
serviço, tanto nas grandes quanto nas micro e pequenas empresas”, analisa.
O
possível fim da categoria já foi discutido até mesmo no Senado Federal, em uma
audiência da Comissão de Assuntos Sociais (CAS). O objetivo das entidades é
pelo menos adiar a efetivação das mudanças e aplicação da lei, para que outras
organizações interessadas possam analisá-las e propor soluções.
Mudanças devem se refletir
nas escolas técnicas
A
Escola Técnica Estadual Irmão Pedro, de Porto Alegre, possui 1,2 mil alunos
divididos em três cursos técnicos e o Ensino Médio. Desses, 240 fazem o técnico
em contabilidade, tornando-o o curso mais procurado e com mais turmas. “É uma
área que tem uma demanda muito grande por profissionais. A todo semestre, as
turmas de contabilidade estão cheias”, garante a diretora Raquel Dimer da Rocha.
Dentro
da instituição, assim como nas outras escolas técnicas, as mudanças no registro
de profissionais é um tema discutido há muito tempo nos corredores e salas de
aula. As dúvidas partem tanto dos próprios institutos quanto dos seus alunos.
Para Raquel, não há motivo para grandes preocupações, pois a legislação do MEC
não foi afetada e a demanda pelos técnicos deve se manter, garantindo assim a
continuidade dos cursos. “A estrutura do técnico, do curso de nível médio, não
muda. Ele seguirá existindo como está”, garante.
A
professora do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Ufrgs, Ana
Tércia Rodrigues, acredita que as escolas não têm muito o que fazer em relação
às novas medidas, mas que precisam, sim, se preparar para uma diminuição na procura.
“Provavelmente, muitas pessoas deixarão de procurar o Ensino Técnico por não
haver mais a possibilidade de efetuar o registro junto ao conselho”, prevê.
“Ainda existe uma incógnita de como irá se comportar esse mercado dos cursos
técnicos. Já se tem notícias de escolas fechando ou não oferecendo mais o curso
técnico, mas acredito que isso seja uma medida precipitada, já que o mercado
deve continuar absorvendo esses novos técnicos em contabilidade.”
Na
análise da vice-presidente de registro do CRCRS, Marlene Chassot, a falta de
registro deve desmotivar os profissionais. “O técnico com registro procura ter
educação continuada. Sem o incentivo do registro, ou as pessoas vão procurar
uma faculdade ou vão deixar de fazer o técnico e optar por outra área”, diz. No
entanto, mesmo no nível superior ainda existe uma defasagem entre o
conhecimento que os profissionais obtêm e o que o mercado exige na atividade
prática, alerta Ana Tércia. “Mas o profissional com ensino de nível superior
tem muito mais condição de se inserir no mercado do que um com pouco tempo de
formação, o que é a realidade hoje dos cursos de nível técnico”.
Para
avaliar os alunos formados tanto nos cursos de nível superior quanto no
técnico, a Lei 12.249/10 também definiu a volta do Exame de Suficiência. A
existência da prova de qualificação é mais um ponto utilizado pelos defensores
do Ensino Técnico, já que ele garantiria o bom nível tanto dos formados em
faculdades quanto em escolas técnicas. “Por se saber que as formações não são
das melhores, se criou esse filtro. O profissional que não tenha qualificação
não vai conseguir passar. Por que não continuar assim?”, questiona o técnico em
contabilidade Daniel de Souza. A professora Ana Tércia contesta: “O Exame de
Suficiência ainda é uma prova teórica, na qual muito pouco de conhecimento
prático pode ser explorado. Ele não dá totais garantias de que o profissional,
sendo aprovado no exame, teria plenas condições de se inserir no mercado de
trabalho”. Reflexo disso, garante a professora, é a necessidade dos
profissionais se especializarem, buscando treinamentos específicos, já que a
contabilidade abrange diferentes segmentos como auditoria, perícia e
consultoria.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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