A
carga tributária brasileira é pesadíssima, alcançando valor próximo de 36% do
produto interno bruto (PIB), número mais típico de alguns países desenvolvidos.
Eles, entretanto, têm PIB médio por habitante bem mais alto que o do Brasil e,
portanto, mais condições de suportá-la. Em termos aproximados, o PIB por
habitante também mede a renda per capita de um país.
Assim,
uma coisa é cobrar 36% dos cidadãos de um país rico, com PIB por habitante,
digamos, de US$ 40 mil por ano, com o que seu valor líquido de impostos cai
para US$ 25.600. Outra é tomar os mesmos 36% num país como o Brasil. Nele, o
PIB por habitante está perto de US$ 10 mil por ano e seu valor líquido de
impostos é de apenas US$ 6.400. Percebe-se, portanto, que aqui o ônus é mais
pesado, pois fixado em cima de um rendimento médio bem mais baixo. Isso fere um
dos princípios da boa administração tributária, o da capacidade contributiva.
As
distorções dessa elevada carga são tão conhecidas como não corrigidas. E vale
repetir duas. Calcada principalmente em impostos indiretos, que oneram preços
dos bens e serviços, ela é um ingrediente do chamado "custo Brasil",
pois diminui a competitividade das exportações brasileiras e também afasta
consumidores e investidores da aquisição desses bens e serviços dentro do País.
Mais bens e serviços seriam demandados e produzidos no Brasil se não fossem tão
onerados por impostos desse tamanho e com essa predominante forma de
incidência. Noutro impacto, a carga tem efeito nefasto sobre a distribuição de
renda, pois as pessoas mais pobres consomem proporção maior de sua renda em
bens e serviços do que as mais ricas, com o que seu ônus tributário é
proporcionalmente mais alto do que o deste último grupo.
Por
essas e outras razões, há quase um consenso de que nossos governantes precisam
interromper sua enraizada prática de ampliar a carga tributária. Mas quem está
fora desse quase consenso é o próprio governo, que tem o poder de realizar
novas ampliações.
Hoje
a oposição da sociedade se coloca como obstáculo, a ponto de até os governantes
entenderem ser cada vez maior o ônus político de aumentar impostos. Mas, ainda
assim, recorrem a artimanhas para impingir novos aumentos, utilizando meios
enganosos nas tentativas de justificá-los.
Recentemente,
vi mais uma dessas tentativas, em matéria neste jornal do dia 22 do mês
passado, intitulada Alta de impostos de importados pode render R$ 1,5 bi (B5).
Segundo a reportagem, no dia anterior o ministro da Fazenda, Guido Mantega,
havia "dado a senha" para essa ampliação da carga. Na ocasião, ele
tratou de um compromisso do governo, o de cumprir meta de 1,9% do PIB para o
superávit primário (receitas menos despesas exceto juros da dívida) das contas
públicas.
A
necessidade de recorrer a novo aumento de impostos foi assim justificada: 1) No
ano passado uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou
inconstitucional a inclusão de outro imposto, o ICMS, na base de cálculo de
tributos sobre importações, pois configurava "imposto sobre imposto";
2) com essa decisão, tais impostos se tornaram menores para os produtos
importados, diminuindo assim a competitividade dos produtos brasileiros diante
deles; 3) caberia, então, o aumento de tributos sobre os importados para
restabelecer o equilíbrio tributário nessa competição.
Esse
argumento, contudo, não serve para justificar, por si mesmo, um novo aumento da
carga tributária. Para evitá-lo o governo federal poderia instituir o aumento
que pretende, mas junto com outra medida que reduzisse, de forma
correspondente, o ônus de um ou mais impostos não incidentes sobre as
importações.
O
mesmo governo poderia retrucar que sua carga tributária foi reduzida pela
decisão do STF. Mas o que este fez foi corrigir oneração juridicamente
insustentável. Será que o País terá de engolir mais esta, a de que a avaliação
da carga tributária a que faz jus o governo federal deve incluir o valor de
impostos que vinha arrecadando inconstitucionalmente?
Essa
discussão também enseja a oportunidade de retomar antiga indisposição minha
quanto ao cálculo de superávits primários para avaliar a situação das contas
governamentais. Tal superávit, que como foi dito exclui a conta dos juros da
dívida, é comumente conceituado por alguns economistas e pela mídia como a
"economia ou poupança" que o governo faz para pagar parte desses
juros.
Ora,
a primeira coisa que o governo faz é pagá-los, pois caso contrário se tornaria
insolvente. Assim, o superávit primário é uma conta que avalia que parte desses
juros tenha sido paga com suas receitas próprias, em que se destacam os
tributos. Como não paga toda essa conta, o governo tem sempre um déficit,
conhecido como fiscal ou nominal.
Problemas:
1) De forma conveniente para o governo, o superávit primário concentra a
atenção da mídia, que com ele repetidamente transmite à sociedade a falsa noção
de que o governo é superavitário; 2) às vezes, o próprio noticiário até omite o
adjetivo primário ao referir-se ao mesmo superávit; 3) desde que o conceito de
superávit primário foi adotado, na gestão Fernando Henrique Cardoso, predomina
na história de sua obtenção o aumento da carga tributária, e não a contenção de
despesas, sendo assim um completo absurdo chamá-lo de "economia ou
poupança" que o governo faz, o que é muito distante de seu hábito
essencialmente gastador e arrecadador; 4) se concretizada a citada ameaça de
novo aumento de impostos, sem compensá-lo com uma redução tributária, novamente
o mesmo processo se repetirá; 5) o superávit primário deixa em segundo plano a
avaliação do que é mais importante, o déficit fiscal, nominal ou final; 6) que,
aliás, deve estar até aumentando com o crescimento da dívida bruta e da taxa de
juros fixada pelo Banco Central.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
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