A
contabilidade brasileira passa por mudanças há pelo menos sete anos na
tentativa de adaptar-se às Normas Internacionais de Contabilidade (em inglês,
International Financial Reporting Standards, IFRS). Em 2007, com objetivo de
aproximar a contabilidade brasileira aos padrões internacionais, a Lei nº
11.638 alterou a Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), com efeitos
tributários na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), do PIS e da Cofins. Foi
publicada, então, a Lei nº 11.941/2009, instituindo o Regime Tributário de
Transição (RTT), que tinha como objetivo promover a neutralidade tributária das
alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007.
Este
era o cenário anterior à edição da Medida Provisória nº 627, de 12 de novembro
de 2013 (MP 627/13 ou MP das Coligadas), apontada como um novo marco da
tributação no Brasil e que visa a alterar a forma de tributação dos lucros
obtidos por multinacionais brasileiras advindos de suas controladas no
exterior, dizendo respeito, sobretudo, à CSLL, à contribuição para PIS/Pasep e
Cofins e revogando o RTT. Em suma, a MP 627/13 alinha “a legislação tributária
à legislação societária e às normas contábeis internacionais, eliminando a
ideia da dupla contabilidade – balanço societário e balanço fiscal”, explica o
contador e sócio da KPMG, Altair Toledo.
O
texto aprovado passou pela votação na Câmara com adequações e mais de 500
emendas. As organizações multinacionais brasileiras tiveram alívio na parcela a
ser paga no primeiro ano. Pelo texto original da MP 627, as companhias teriam
de recolher, no primeiro ano, os tributos sobre 25% do lucro apurado,
percentual que passou para 12,5%. Até o oitavo ano, as multinacionais
brasileiras terão de ter recolhido os tributos integralmente. A MP 627 amplia o
prazo para que as empresas façam a chamada consolidação dos resultados. Isso
significa que elas poderão cruzar os lucros e prejuízos de todas as unidades no
exterior para apurar um único resultado, que será tributado em caso de lucro.
Essa consolidação poderá ser realizada até 2022, e não mais até 2017.
Também
são reconhecidos os tributos pagos no exterior. Assim, se as empresas já
tiverem pago, por exemplo, 20% de tributos lá fora, terão que pagar 14% no Brasil
para atingir a alíquota de 34% de IRPJ e CSLL. O pagamento poderá ser escolhido
pelas empresas a partir de 1 de janeiro de 2015, mas a MP permite a antecipação
retroativa a janeiro de 2014. A opção,
entretanto, implica na confissão de dívida.
As
parcelas pagas a partir do segundo ano serão atualizadas pela taxa de juros
Libor, acrescida da variação cambial do dólar dos EUA para o período. Quanto
aos juros, o texto permite sua dedução na apuração do lucro real e da base de
cálculo da CSLL, diminuindo a tributação final. A MP também faz ajustes nas
legislações contábil e tributária para pacificar divergências ocorridas desde
2007 entre o fisco e os contribuintes.
Segundo
o especialista em direito tributário Fabio Basso Barichello, do escritório
Veirano Advogados, empresas brasileiras que expandiram ou pretendem expandir
suas atividades no exterior certamente serão mais afetadas pela MP, mas as
alterações atingirão todas em algum quesito.
Desde
empresas brasileiras de grande porte que expandiram ou expandirão para o
exterior até empresas não necessariamente de grande porte, mas que adquirem
participação acionária com ágio (uma vez que é trazida uma nova disciplina
quanto ao reconhecimento, mensuração e, sobretudo, dedução do ágio, para fins
de IRPJ e CSLL) sentirão seus reflexos. Além delas, aquelas que optam pelo
lucro presumido e que, por isso, apuram o PIS e a Cofins pelo regime
cumulativo, serão atingidas, tendo em vista que a medida amplia o conceito de
receita bruta, base de cálculo das suas contribuições. Agora, o texto aprovado
deve seguir para apreciação no Senado e perde validade no na segunda-feira
(21). A intenção do governo federal é concluir a votação no Congresso até o dia
16, véspera da Semana Santa. Depois, o projeto segue para sanção da presidente
Dilma Rousseff.
Matéria aprovada passou
por adequações
Aprovada
na semana passada pela Câmara dos Deputados, a MP 627 segue despertando
polêmica, já que tem grande reflexo sobre as práticas contábeis empresariais.
“A medida provisória trata de muitos assuntos relevantes de uma só vez,
alterando a base tributável das empresas no Brasil, principalmente de lucros
recebidos de empresas do exterior”, destaca o vice-presidente da Câmara de
Registro do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Nelson Zafra.
O
contador Altair Toledo pontua que, em relação ao fim do RTT, o texto é
satisfatório. “Já quanto à tributação de lucros no exterior, o texto não
atendeu às expectativas, especialmente por ter mantido a tributação de 34%
sobre os lucros auferidos por subsidiárias localizadas em outros países, o que
diminui a competitividade das empresas brasileiras no exterior”, sentencia.
Além
disso, segundo Toledo, as multas pela falta de entrega (ou entrega com erro) da
Escrituração Contábil Fiscal (ECF) continuam pesadas (podendo chegar a R$ 5
milhões), mesmo com a redução proposta no texto de conversão. Essa complexidade
levou ao adiamento da discussão em torno de diversos pontos incluídos ao texto,
como, por exemplo, o fim da cobrança da taxa de inscrição para o exame da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) e a taxação das empresas que não industrializam a
soja.
Temas polêmicos
dificultaram o processo
A
polêmica do texto da MP 627 e a inclusão de assuntos tratados como “matérias
estranhas” preocupavam e impediam, de certa maneira, a alteração na forma de
tributação dos lucros obtidos por multinacionais brasileiras. Tanto é que, após
a superação do texto-base da medida, uma nova votação no dia seguinte tratou de
temas como o dispositivo que condiciona a suspensão de PIS/Pasep e da Cofins na
venda de soja ao seu uso para a industrialização de produtos, a alteração da
tributação de petrolíferas e a cobrança não cumulativa do PIS/Cofins para
sociedades de advogados.
Entre
os pontos votados em separado na quarta-feira passada, estava o que permite às
controladoras, por cinco anos, consolidarem resultados de suas controladas em
países com os quais o Brasil não possua acordo de troca de informações
tributárias. Essa consolidação permite fazer um cálculo líquido do imposto a pagar
sobre os lucros de todas as controladas, descontando os prejuízos.
No
caso de ausência de acordo para troca de informações, o relator permitiu que a
consolidação seja realizada se a controladora no Brasil entregar a
contabilidade societária em meio digital e a documentação de suporte da
escrituração na forma e prazo estabelecidos pela Receita. No entanto, essa
opção só será permitida por cinco anos. Após esse período, se não houver
assinatura de um tratado para troca de informações tributárias, o resultado
daquela unidade não poderá entrar na consolidação.
O
relatório também flexibiliza a definição de renda ativa própria para atender às
instituições financeiras. A MP define como renda ativa “aquela obtida
diretamente pela pessoa jurídica mediante a exploração de atividade econômica
própria”, mas exclui algumas receitas como royalties, juros, dividendos,
aluguéis, juros, aplicações financeiras e intermediação financeira. Ao editar a
MP, o governo estimou que o impacto orçamentário da nova sistemática será de R$
1,38 bilhão em 2015, R$ 1,52 bilhão em 2016 e R$ 1,67 bilhão em 2017.
Ainda
foram considerados como renda ativa própria os valores recebidos como
dividendos ou receita decorrente de participações societárias relativos a
investimentos efetuados até 31 de dezembro de 2013 em pessoa jurídica cuja
receita ativa própria seja igual ou superior a 80%.
Outro
destaque estende para qualquer setor o benefício concedido a controladoras de
empresas que atuem, no exterior, na fabricação de bebidas ou de produtos
alimentícios e na construção de edifícios e obras de infraestrutura. O
benefício é um crédito presumido de até 9% sobre a parcela positiva do lucro da
incorporada computada no lucro real da controladora, base de cálculo do imposto
de renda.
Também
foi reaberto o prazo para parcelamento de débitos para instituições
financeiras, seguradoras e empresas brasileiras com lucro no exterior, o
chamado Refis da Crise (leis 11.941/09 e 12.249/10), para dívidas que venceram
até 30 de junho de 2013. O parcelamento em andamento incorporou dívidas
existentes até 2008.
Para
o consultor jurídico da Grupo Consultoria Empresarial Daniel Brasil, a
reabertura pode sanar o déficit tributário da União contraído no final do ano
passado, além de aumentar a arrecadação de tributos em 2013 e 2014. “Esta
medida vai possibilitar a inclusão de débitos tributários e levar o governo
federal a aumentar sua arrecadação, apenas de PIS e Cofins, em aproximadamente
R$ 200 milhões”, projeta.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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