Pouco
mais de um ano após ser aprovada, a chamada PEC das Domésticas, emenda
constitucional que amplia os direitos trabalhistas dos empregados domésticos no
País, ainda depende de regulamentação, que está parada na Câmara. Com a maioria
dos benefícios ainda sem regulamentação - como FGTS, férias e adicional noturno
-, a emenda não provocou mudanças significativas no mercado de trabalho e ainda
não conseguiu aumentar a formalização no setor.
Segundo
dados da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, apesar de a formalização no mercado
de trabalho ter crescido em todas as regiões do Brasil no último trimestre de
2013, no segmento de empregados domésticos o índice permaneceu estável - foi de
31,3%, no último trimestre de 2012, e de 31,1%, no mesmo período de 2013.
Em
São Paulo, o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos registrou um
aumento de 5% no número de profissionais com registro em carteira em 2013.
Mesmo com esse crescimento, Eliana Gomes Menezes, diretora do sindicato,
acredita que o atraso na regulamentação pode ter incentivado demissões no setor
ao longo do último ano. Quem contrata está com medo de ser penalizado e prefere
demitir a funcionária, diz.
A
agência de empregos Única, especializada na contratação de trabalhadores
domésticos, teve queda de 50% no número de contratos fechados entre março e
abril do ano passado, época da aprovação da PEC - e nunca mais voltou ao
patamar anterior.
Por
ora, apenas a nova jornada de trabalho já está em vigor - 44 horas semanais. No
entanto, muitos empregados continuam com uma carga horária superior. É o caso
de Maria de Oliveira, doméstica há quatro anos, mas sem registro em carteira.
Contratada há um mês, ela afirma que ainda negociará a formalização com os
patrões, desde que o salário não diminua por causa dos benefícios. Como eu
recolhia os impostos como autônoma, a lei não mudou nada na minha vida, conta.
Ela
recebe R$ 1,7 mil para trabalhar de segunda a sexta, valor acima da média do
mercado. Por outro lado, cumpre uma carga diária elevada: dorme na casa dos
patrões, começa o expediente às 7h e encerra às 22h, com uma hora de intervalo.
Para
escapar da obrigatoriedade do registro em carteira, Maria Augusta Bruschini,
que agencia domésticas voluntariamente na Paróquia Santa Teresa de Jesus, no
Itaim, em São Paulo, explica que os contratantes optam por duas profissionais
para não estabelecer vínculo trabalhista.
Joselita
dos Santos, diarista há três anos sem registro, confessa que não notou muitas
mudanças com a nova legislação. Não conheço ninguém que tenha passado a receber
FGTS ou aumento de salário. Pelo contrário, algumas pessoas estão recebendo
menos. Ela argumenta que os patrões não podem manter a mesma remuneração e
ainda arcar com as despesas dos benefícios.
No
entanto, alguns trabalhadores já usufruem dos novos direitos. Maria das Graças
Nunes Silva, de 56 anos, era registrada há 18 anos, mas não tinha controle de
jornada de trabalho - chegava a trabalhar até 15 horas por dia. Em maio, logo
após a aprovação, minha patroa sentou com a gente para discutir o assunto,
conta.
Hoje,
Maria trabalha das 13h às 21h, recebe hora extra e até o FGTS - que ainda nem
foi regulamentado. É ótimo porque agora eu tenho mais tempo livre e até faço
academia. Ela diz que algumas conhecidas passaram até a estudar à noite.
Para
Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, a emenda tem o
potencial de aumentar rapidamente a formalização no setor, mas necessita de
ajustes. A PEC é boa, porque quebra talvez a última barreira de uma cultura
escravagista. No entanto, como o empregador não é uma empresa, é preciso
deixá-la equilibrada, diz. Estimo que, até dezembro, com a multa, a
informalidade no setor deve diminuir uns 30%. Se a lei for regulamentada de
forma que olhe os dois lados, podemos diminuir até 50%.
Já
para o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, a
legislação não é viável por ser muito onerosa ao contratante. Não adianta gerar
direitos e mais direitos de uma categoria em detrimento daqueles que os
empregam, diz Margareth Galvão, presidente da instituição. O salário (dos
patrões) não subiu na mesma proporção que os encargos trabalhistas criados pela
emenda. Segundo ela, o sindicato recebe cerca de 30 ligações por dia, sendo a
preocupação maior o cuidado ao idoso, que inclui jornada noturna.
Para
a voluntária Maria Augusta Bruschini, é cada vez mais difícil encontrar
profissionais dispostos a pernoitar no trabalho - em parte porque as
funcionárias não querem e também pela dificuldade de delimitar a carga de
trabalho. Na época em que a lei saiu, a procura caiu bastante, porque as
patroas não sabiam como registrar ou não queriam o vínculo trabalhista.
Para
simplificar essa dinâmica, surgiram empresas de pagamento eletrônico de
funcionários como a Pagga Domésticos, que ajudam os patrões a cuidar da
burocracia. Pelo modelo, o empregador paga um boleto com o valor total e a
doméstica recebe o salário em conta ou por meio de um cartão de débito
oferecido pela empresa.
A
companhia tem 11 mil empregadores cadastrados, sendo que 4,6 mil utilizam os
serviços ativamente. Quem se cadastrou ainda não utiliza o serviço porque está
aguardando a regulamentação da lei, principalmente o início da obrigatoriedade
do recolhimento do FGTS, explica o presidente da empresa, Armando Ribeiro. Com
a regulamentação da emenda, a estimativa da Pagga é atingir 100 mil
trabalhadores.
Fonte:
Jornal O Estado de São Paulo
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