A
tributação é inevitável para a vida em sociedade. Como disse o economista
Joseph Schumpeter, “a história fiscal de um povo é, acima de tudo, uma parte
essencial da sua evolução histórica geral”. Mas qual o modelo ideal? A resposta
para esse questionamento ouvida em uníssono no Fórum Internacional de
Tributação, realizado em agosto, em Porto Alegre, é que o ideal para qualquer
país é um regime tributário simplificado, com alíquota única em todo território
nacional e com destino certo. A conjunção desses fatores deixa as formas de
recolhimento e destinação do valor arrecadado mais claras aos contribuintes e
torna o Estado forte ao mostrar a aplicação dos recursos.
O
evento foi o primeiro promovido pela Faculdade Brasileira de Tributação, e buscou
encarar o tema a partir de um prisma interdisciplinar. A conclusão dos
especialistas reunidos na Capital é bastante conhecida, apesar de difícil de
sair do papel. O Brasil precisa encarar uma reforma tributária investindo na
sua simplificação.
Um
exemplar próximo ao ideal é a extinta Contribuição Provisória sobre a
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira (CPMF). O “modelo perfeito” estabelece o poder de garantir uma alta
arrecadação graças à facilidade com que é aplicado, contribui para o aumento da
formalização das empresas e dificulta a inadimplência.
“Os
países de modelo tributário mais simples crescem mais rapidamente”, avisa o
presidente da Comissão de Tributaristas da Associação de Bancos do Peru (Asbanc)
e do Comitê Latino-americano de Tributaristas (Colatri) da Federação
Latino-americana de Bancos (Felabran), Michel Zavaleta. E o convidado peruano
adverte, ainda, que nem sempre ter uma grande receita é sinônimo de serviços
básicos a contento ou economia estável. “O modelo que mais arrecada é o
plurifásico cumulativo, mas isso não quer dizer que seja bom”.
O
Brasil é exemplo disso, diz o professor da Ufrgs Ronald Hillbrecht. A
arrecadação de impostos fechou o ano de 2013 em R$ 1.1 trilhão, conforme dados
da Receita Federal divulgados em 22 de janeiro deste ano. No entanto, o também
presidente do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul (Iders)
defende que o retorno ainda está aquém do esperado no País. “O que realmente
interessa é a taxa de retorno e não o total arrecadado”, conclui.
Reforma deve ser
prioridade para o Brasil nos próximos anos
Apesar
de defendido como uma alternativa importante ao País, o modelo do IVA
implantado na América Latina não é considerado perfeito. A diferença
fundamental é que a União Europeia aplica um sistema comum a partir do
interesse do mercado interno e dos estados-membro. Já os regimes praticados nos
países latino-americanos não pensam nos blocos econômicos e no comercio
exterior. A situação se torna ainda pior quando se leva em conta o
posicionamento brasileiro frente aos demais países.
“A
verdade é que as legislações na América Latina não facilitam a exportação de
capital intelectual, prova de que os países passaram de meros exportadores de
bens e commodities”, analisa Zavaleta.
A
complexidade do sistema de arrecadação fiscal e a alta carga dos impostos foram
os principais motivos apontados para a internacionalização das companhias, de
acordo com o diretor de impostos da Vale S/A, Octávio Bulcão. Para o executivo,
o Brasil tem um exagerado número de tributos com uma carga alta. De acordo com
estudos da PWC de 2013, o País ocupou a 159ª posição no ranking de complexidade
tributária. Frente a isso, as empresas se viram obrigadas a buscar alternativas
de viabilização operacional.
Em
resposta às demandas das empresas, surgiu o Movimento Brasil Eficiente (MEB). O
grupo, coordenado pelo doutor em economia Paulo Rabello de Castro, elaborou e
encaminhou proposta de simplificação do sistema tributário aos candidatos à
presidência. O projeto busca unificar sete impostos e contribuições e
reagrupá-los em apenas dois tributos. Um deles, já chamado de Novo Imposto de
Renda, seria formado pela União de seis contribuições e impostos: IR, IPI,
contribuição sobre a folha de pagamento, Cofins, PIS e CSLL. O segundo seria a
conversão dos 27 ICMSs estaduais em uma única legislação com alíquotas
harmonizadas, o ICMS Nacional Compartilhado, dividido entre municípios, estados
e União.
O
projeto de ICMS Nacional Compartilhado prevê a redistribuição dos atuais
tributos. Cada estado e município adotaria uma Unidade Real de Valor - uma
espécie de URV Fiscal - para fazer transição de um modelo para outro. A
estimativa é que a carga tributária, hoje acima de 36,4% do PIB, caia a 30% do
PIB até 2022.
Uma
emenda constitucional e o Projeto de Lei do Senado (PLS 141/2014), este último
para ampliar as atribuições do Conselho de Gestão Fiscal e viabilizar sua
instalação e funcionamento, buscam alavancar as alterações.
IVA
ou NC, é difícil assegurar qual dos dois se aplicaria melhor à realidade
brasileira, como alega José Eduardo Soares de Melo. Encarar a complexidade
tributária brasileira não é fácil, mas todos os especialistas apontam a
unificação como um dos mais importantes fatores para destravar uma série de
medidas decisivas ao País.
Modelo utilizado Na
América Latina é uma das principais alternativas
A
discussão sobre um modelo ideal perpassa a CPMF, mas se torna ainda mais atual
e acirrada quando chegamos ao Imposto sobre Comércio de Mercadorias e Serviços
(ICMS). Este é sem dúvida o mais polêmico dos tributos cobrados no País.
Tido
como responsável pela guerra fiscal entre estados brasileiros e algoz de
empresas com sedes espalhadas pelo território nacional, o ICMS é visto como vilão
também pelos especialistas.
O
papel de salvador da pátria ainda não tem dono definido. A disputa pelo
protagonismo segue entre o projeto de ICMS Nacional Compartilhado e o Imposto
sobre Valor Adicionado (IVA), os dois modelos de taxação sobre mercadorias e
serviços – ainda que este seja mais abrangente.
Enquanto
Michel Zavaleta defende que “a ideia de um imposto de valor agregado monofásico
é de que ele seja neutro e que o imposto de consumo não deve buscar ter efeitos
financeiros”, o ICMS é extremamente importante para o País. Ele responde por
7,56% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, aproximadamente R$ 360 milhões.
Instituído
há quase 20 anos através da Lei Complementar nº 87 em 1996, ele continua
suscitando discussões até hoje em torno de como e onde deve ser aplicado. A
base de cálculo é outro ponto crucial do tributo. “Nossa legislação tributária
insere elementos que acabam distorcendo o valor e violando a capacidade
contributiva”, adverte o professor titular de Direito Tributário da PUC/SP e
coordenador do curso de Pós-Graduação em Processo Tributário, José Eduardo
Soares de Melo.
Além
de existir uma deformação no cálculo devido ao grande número de tributos, a
diferença de alíquota entre estados dificulta ainda mais sua cobrança. “Ou se tributa
na origem ou no destino. Assim como estamos, vivemos diante de uma situação
híbrida”, enfatiza Soares de Melo, também autor do livro ICMS – Teoria e
Prática.
Já
o IVA, aplicado na Europa e em países da América Latina, institui um imposto
único em território nacional. Amplamente utilizado na Europa, ele é o imposto
adotado pela União Europeia. Na América Latina, países como Peru, Chile,
Colômbia e Argentina utilizam o IVA, cujas alíquotas flutuam entre 10% e 21%.
Na
contramão da tendência mundial, o ICMS é de responsabilidade estadual. Graças a
isso, ele é tido como o grande responsável pela guerra fiscal entre estados
existente no País, já que se tornou objeto de barganha entre as 27 unidades
federativas pela atração de empresas. Diferentemente, o âmbito de aplicação do
IVA é nacional. Trata-se de um sistema único que institui o valor agregado no
País e mantém apenas uma alíquota.
Para
o economista Ives Gandra, é exatamente a guerra fiscal que tem impedido todas
as reformas tributárias. Presente entre aqueles que ajudaram a elaborar a
Constituição Federal de 1988, Grandra declara que, na época, se pretendia que
fosse feita a política tributária e não política arrecadatória.
Fonte:
Jornal do Comércio – RS
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